Wim Wenders aborda ciência e religião no filme 'Submersão' 

Longa traz história de pesquisadora que estuda profundezas do mar e espião prisioneiro de extremistas

Guilherme Genestreti
Toronto

Nos filmes de Wim Wenders, sobretudo nos “road movies”, seus personagens sempre vagam, perdidos —seja pelo deserto texano, pelas autoestradas alemãs ou por uma Berlim cindida por um muro. Em “Submersão”, que estreia nesta quinta (19), ele os leva ao fundo do oceano.

“Nem é tão longe. É mais perto do que a Lua, e mesmo assim o homem nunca pisou ali”, conta o diretor à Folha, no Festival de Toronto, onde o filme estreou, em setembro. “O fundo do mar é mais relevante para o futuro da humanidade do que muitos dos planetas que querem visitar.”

No filme, quem submerge é Danielle (Alicia Vikander), pesquisadora que busca explorar as formas de vida nas fossas abissais. Na outra ponta da trama, o diretor leva o espectador até a Somália, onde um grupo jihadista mantém aprisionado o espião escocês James (James McAvoy).

Duas pessoas que perambulam por áreas tão distintas, James e Danielle formam um improvável par amoroso no filme, inspirado no livro homônimo de J. M. Ledgard. Em comum, apenas o perigo da empreitada de cada um.

Da união deles, Wenders extrai pontos de contato entre ciência e religião. No caso dela, o âmago é o empenho científico, que a leva, em um submarino, às profundezas do mar da Groenlândia. 

No caso dele, o que está em jogo é a submissão a pessoas que têm a crença como norte, isto é, os extremistas islâmicos que o encarceram.

Cena do filme 'Submersão' de Wim Wenders
Cena do filme 'Submersão' de Wim Wenders - Divulgação

“Fé e ciência são dois elementos que não deveriam entrar em conflito, deveriam enriquecer um ao outro”, afirma o diretor alemão. 

Por trás de óculos de grossos aros azuis, ele mal encara seu interlocutor; fita os próprios pés e sempre leva alguns segundos para responder.

O embate entre ciência e religião é uma questão cara a Wenders, um luterano praticante que no momento finaliza um documentário sobre a maior figura do mundo católico: o papa Francisco. 

“Ele também acredita que são coisas que deveriam caminhar lado a lado”, diz.

Em “Submersão”, a fé aparece sob o manto da radicalização. Aprisionado por várias semanas, James tem a chance de ver de perto a força que move os terroristas.

“Ele vê humanidade neles”, pondera o diretor. “O mais assustador nos radicais islâmicos é justamente o que há de mais belo neles: a capacidade de acreditar.”

E continua: “A alma humana é um assunto complexo. Hoje sabemos que declarar guerra a quem acredita piamente nas coisas não foi a coisa mais inteligente que fizeram após o 11 de Setembro.”

Outro embate, mais mundano, agita o diretor: como conciliar filmes de ficção e documentários? “Não sobreviveria sem realizar ambos. Alternar entre os gêneros deveria ser algo prescrito aos meus colegas.”

Cena do filme 'Submersão' de Wim Wenders
Cena do filme 'Submersão' de Wim Wenders - Divulgação

Oriundo da chamada nova onda alemã, que também revelou Werner Herzog e Rainer Werner Fassbinder, Wenders atraiu olhar internacional por meio da ficção, graças a três “road movies”, entre eles “Alice nas Cidades” (1974).

Neles já se nota a potência da estrada como elemento transformador dos personagens, ideia igualmente presente em “Paris, Texas” (1984), filme que marca seu auge, também composto por “Asas do Desejo” (1987) e “Tão Longe, Tão Perto” (1993).

Na seara documental, Wenders viajou a Cuba para filmar “Buena Vista Social Club” (1999), transformou as coreografias de Pina Bausch em uma experiência 3D com “Pina” (2011) e ficou no encalço do fotógrafo brasileiro Sebastião Salgado em “O Sal da Terra” (2014). Os três foram indicados ao Oscar.

“Ficção é algo meio militarizado, tem orçamento e agenda. O documentário é o oposto, é livre”, compara o diretor de 72 anos. “No documentário, você não é o todo-poderoso, está sozinho confrontando o real. É uma lição de humildade.”

Veja salas e horários de exibição.

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