Descrição de chapéu Cinema Oscar

Ações de igrejas evangélicas põem em risco identidade de indígenas, dizem ativistas

Debate após exibição do longa 'Ex-Pajé', do diretor Luiz Bolognesi, foi realizado pela Folha

Gabriel Bosa
São Paulo

O avanço de igrejas evangélicas em comunidades indígenas põe em risco a preservação étnica dos nativos brasileiros. Muitas vezes de forma violenta, a ação de determinados grupos religiosos subjuga a cultura milenar destes povos e dizima a sua identidade.

Essas foram algumas das conclusões do debate sobre os reflexos das investidas de igrejas sobre comunidades indígenas, nesta terça-feira (8), após exibição do documentário “Ex-Pajé”. O debate foi realizado pela Folha, no Espaço de Cinema do Shopping Frei Caneca.

“O etnocídio vem calando línguas e silenciando todo um saber fazer que é próprio da cultura dos povos indígenas”, afirmou a professora e filósofa indígena Cristine Takuá.

O filme, com direção de Luiz Bolognesi, aborda os reflexos da intervenção de uma igreja evangélica no povo paiter suruí, localizado entre os estados de Rondônia e Mato Grosso. Eles começaram a ter contato com os homens brancos em 1969.

Cena do filme 'Ex-Pajé', em exibição no Festival de Berlim
Cena do filme 'Ex-Pajé', em exibição no Festival de Berlim - Divulgação

No documentário, Perpera, antigo pajé da comunidade, perde seu posto com a ascensão das novas doutrinações religiosas. A partir de então, suas crenças são abaladas e ele passa a temer os espíritos da floresta, antes essenciais para o convívio da tribo.

A extinção da cultura do povo paiter suruí é o debate central da obra. Segundo o cineasta, o interesse em abordar o tema surgiu no primeiro contato com o antigo representante espiritual da comunidade e como ele fora obrigado a abandonar suas crenças.

“Ele contou que o pastor o perseguia, dizendo que o que ele fazia era coisa do diabo. As pessoas não falavam mais com ele, então foi levado a se declarar ex-pajé para continuar morando ali.”

A conversa entre os especialistas e a plateia, que lotou o espaço, foi mediada pela repórter da Folha Anna Virginia Balloussier

O longa está em cartaz nos cinemas brasileiros desde o dia 26 de abril. Antes, estreou no Festival de Berlim, recebendo menção honrosa da premiação. Também foi eleito o melhor documentário pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema em premiação do festival É Tudo Verdade.

Festival É Tudo Verdade
Cena do documentário "Ex-Pajé", de Luiz Bolognesi - Divulgação

ABORDAGENS SÃO COMUNS

O processo de evangelização não se restringe ao povo paiter suruí, afirmaram os especialistas. De acordo com Cristine, o assédio de igrejas aos povos nativos é frequente, resultando na dizimação cultural e fragmentação da organização dos indígenas.

“Algumas comunidades conseguem se mobilizar, mas existem outras em que [a evangelização] começa aos poucos e, quando se vê, todos se voltaram contra o pajé e o seu saber cultural”, afirmou.

Segundo os especialistas, a solidificação das igrejas geralmente começa em um momento de crise na comunidade indígena –um surto de doenças, por exemplo—, muitas vezes causada pela própria intervenção do homem branco.

“Nesse momento chega o pastor com remédios e presentes. Os pastores entram com comida, brinquedos para crianças e vão ganhando e seduzindo a comunidade”, afirmou Bolognesi, ressaltando que algumas igrejas realizam um trabalho positivo e ético.

A comunidade que Cristina representa se mantém firme às investidas religiosas, disse ela.
“O etnocídio esconde o domínio de territórios e de poder. Ele esconde várias outras situações que visam desarticular politicamente as comunidades e os movimentos indígenas.”

Em sua fala, o diretor do documentário evidenciou a miscigenação brasileira, tanto em aspectos étnicos, quanto culturais e religiosos, e o quanto isso torna o Brasil único.

“Quando a gente constata um movimento muito violento e forte, que é calcado em destruir tudo que não é igual a você, esse ódio que a gente vê no filme, é algo muito ruim para o país e precisamos acordar para isso.”

RESISTÊNCIA

A produção de documentários, pesquisas acadêmicas e obras literárias é uma forma de preservar a cultura dos povos indígenas e de combater a desapropriação de costumes milenares, disse Cristine.

“Existem muitas produções de audiovisuais sendo feitas, algumas com parcerias indígenas. Acredito que seja uma ferramenta de luta. A mensagem falada e mostrada em movimento desperta as pessoas.”

Além de expor a realidade enfrentada por diversas comunidades nativas, para a professora, as produções despertam o interesse dos mais jovens.

“É um momento para pensar o que a gente está fazendo e para onde estamos caminhando. A mensagem do filme me tocou, mas como vai ser depois, como as pessoas vão caminhar e semear essas mensagens?”, questionou a representante indígena.

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