Artistas baianos se destacam ao mesclar gêneros consagrados e inesperados

Grupos passam a explorar referências regionais como pagode, dancehall, ijexá, cúmbia e rock

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São Paulo

Uma nova música pop está sendo produzida no país, mais especificamente na Bahia, com sons que bebem de baianos importantes da MPB (Bethânia, Gal, Gil, Caetano), do axé (Ivete, Chiclete com Banana) e do rock (Pitty).

O estado abriga hoje um vasto número de artistas que misturam esses gêneros estabelecidos a outros menos óbvios, como a música eletrônica, ritmos regionais, como o pagode baiano, e africanidades (ijexá, afrobeat).

Diferentemente de outras cenas recentes, como a pernambucana (berço do mangue beat) e a paraense (e o tecnobrega), a nova música pop baiana não tem sonoridade particular. Passa pelo rap com levada pop, pagode baiano com beats eletrônicos, soul adicionado ao ijexá —instrumental com ritmos locais.

O que une Lívia Nery, ÀTTØØXXÁ, Larissa Luz, Luedji Luna, Illy, Giovani Cidreira, Hiran, Ifá Afrobeat, Junior Lord, Baco Exu do Blues, Xênia França, Kalu e tantos outros é a inserção de elementos da tradição musical baiana em um contexto global, urbano e tecnológico. É um movimento que se encaixa em outras cenas em um mundo hiperconectado.

"Há alguns anos, comecei a ouvir o kuduro de Angola, a cúmbia eletrônica da América do Sul, o dancehall da Jamaica. Eram músicas de raiz feitas eletronicamente. Pirei naquilo", conta Rafa Dias, 28, cérebro do ÀTTØØXXÁ, nome quente do novo pop baiano.

Nascido em Paulo Afonso (BA), Dias afirma que coleta diversas referências da música global. É mais ou menos como o pagode baiano de Psirico com influências do grupo eletrônico alemão Kraftwerk.

"Queria transferir o groove da percussão para beats digitais. A música pop do mundo hoje é experimental. Kendrick Lamar e Kanye West fazem pop experimental, mas que se comunica com muita gente. Nós tentamos fazer essas experimentações, mas dentro de uma linguagem pop, com harmonia e groove."

O impulso inicial para o surgimento do novo pop baiano passa pelo estouro do BaianaSystem, por volta de 2015, quando o grupo fez shows lotados no Pelourinho e comandou um dos trios elétricos mais concorridos de Salvador.

"Eles pegam várias influências do Carnaval baiano, não necessariamente do axé, como a guitarra baiana, e usam isso de uma forma original, colocando outros elementos, com influências da Jamaica, de música africana", diz Luciano Matos, jornalista e criador do El Cabong, site que cobre a música feita na Bahia.

"Tinha um apelo pop, dançante. Atraiu quem gosta de rock, de rap e de Carnaval."

Outro ponto que abriu caminho para que novos artistas aparecessem na Bahia foi o declínio do axé. Se, nos anos 1990, nomes como Chiclete com Banana e Cheiro de Amor reuniam dezenas de milhares de pessoas em shows abarrotados, atualmente os números são bem mais modestos.

"Nos anos 1990, poucas bandas de rock da Bahia usavam percussão. Era algo muito associado ao axé. Mas com o enfraquecimento do axé, referências regionais deixaram de ser malvistas", diz Matos.

Larissa Luz é um exemplo disso. Prestes a completar 31 anos, ela fez parte da banda Araketu entre 2007 e 2012. Deixou o grupo e, no ano passado, lançou os discos "Mundança" (2014) e "Território Conquistado" (2016), em que costura diversos gêneros, como soul, ijexá, rap, pop, afrobeat.

"A música atualmente tem muito de colagens de ritmos e referências, e eu faço essas colagens com meios eletrônicos. É importante não se desconectar das nossas raízes, mas sem deixar de ter o olhar e a perspectiva atual, do mundo em que vivemos."

Ela afirma que o axé se perdeu ao "ficar batendo na mesma tecla". "O público mudou, chegou uma galera ávida por coisas novas, que dialogassem com o mundo deles. E o axé ficou meio estagnado, não procurou se reinventar, não acompanhou a velocidade das mudanças do mundo."

Um exemplo de como o novo pop baiano está aberto para o mundo é o círculo próximo da cantora Luedji Luna, 30, um dos nomes mais significativos da cena local. No ano passado, lançou "Um Corpo no Mundo", álbum de estreia.

"Meu disco foi feito por várias mãos. Gravei com uma banda com músicos de histórias diferentes. O produtor é sueco, e mora na Bahia. Um filho de congolês assina os arranjos de violão. Tem um cubano no baixo, um queniano na guitarra e, na percussão, um baiano."

Ela afirma que sua geração conseguiu "romper com o estereótipo de que a Bahia é um lugar que faz só axé e música festiva, carnavalesca. Boa parte do que de mais interessante tem sido feito na música brasileira está saindo da Bahia."

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