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Brasileiro é hoje o maior nome da música coral

O regente Luiz Guilherme de Godoy, 29, superou infância pobre e se tornou músico premiado na Áustria

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Guilherme Novelli
São Paulo

Luiz Guilherme de Godoy, 29, recebeu em 2017 o prêmio para a figura de maior destaque dos coros de Viena, a capital mundial da música erudita. Ele perdeu o pai cedo, precisou se alfabetizar sozinho para entrar aos cinco anos numa escola de música e sofreu ataques após acusar de racismo um professor da USP. 

 

Sou um ponto fora da curva. Não acredito em dom, mas numa inspiração que vem de fora e reverbera em nós. Sem ela não há arte. Vocação é o que vem de dentro, uma força de vontade, trabalho, disposição, energia.  

A maior força que tive foi quando minha mãe, professora alfabetizadora, contraiu um empréstimo a fim de comprar um piano para mim. A Escola Municipal de Música exigia a posse de um instrumento.

Minha primeira lembrança, à época eu tinha 5 anos, é de uma maestrina, Dulce Primo, regendo um coro do qual participei. Aquilo me encantou tanto à época que decidi me tornar um regente de coro. 

O regente Luiz Guilherme de Godoy
O regente Luiz Guilherme de Godoy - Divulgação

Mas diversos fatores dificultaram o início de minha trajetória na música. Não havia músicos em minha família e sofríamos com a falta de dinheiro após a morte precoce de meu pai, um profissional autônomo. 

Em Mogi das Cruzes (SP), onde nasci, um professor disse que para aprender música tinha que ser alfabetizado —algo completamente antiquado. Precisei então me alfabetizar para conseguir estudar.

Não foram poucas barreiras, mas não me sinto muito confortável em falar de racismo aqui no Brasil, pois as pessoas tendem a inverter a realidade e acham que estou me vitimizando, mesmo não tendo razão alguma para isso.

Dei uma entrevista contando um caso de racismo que sofri no curso de regência na USP por parte de um professor. Ele me pediu que mudasse de sala, alegando que eu não tinha me esforçado o suficiente. Mas me formei com nota máxima. Daí entramos na questão da legitimidade disso numa universidade pública. 

A declaração repercutiu mal, e os que tomaram o lado dele escreveram uma carta em repúdio. Disseram que menti, pois sou frustrado por nunca ter conseguido nada. 

Mesmo dizendo que eu rejo os Meninos Cantores de Viena, que vou fazer 30 anos em Cingapura regendo a orquestra juvenil do país, e que depois vou para Hong Kong, Coreia do Sul, Espanha, Dinamarca, Carnegie Hall, em Nova York. Não entendem que isso seja possível e verdadeiro. 

A parte boa dessa história é que encontrei o professor José Eduardo Martins. Branco, heterossexual, de uma família tradicional paulistana, assim como o outro que me discriminou, mas que me acolheu na casa dele, dando aula depois que já tinha se aposentado, de graça, e me preparou para os maiores desafios que eu poderia enfrentar. 

Os autores da carta não conhecem o que percorri para chegar aonde cheguei. 

Como eu precisava de grana, recebia trabalhos repassados por um professor, Renato Figueiredo. Com 17, 18 anos, tocava óperas inteiras dentro das séries do Theatro Municipal na Galeria Olido. 

Toquei em bar em hotel para ganhar dinheiro e, quando não tinha clientes, estudava para concursos de piano. Ganhei bolsa para estudar na Europa, mas não tinha o dinheiro da passagem aérea. 

Toquei em concertos beneficentes organizados para mim por alunos meus de piano, alguns senhores e senhoras da alta sociedade paulistana. 

Fui pela primeira vez a Viena em 2010, convidado para dar uma master class sobre música coral brasileira. Mudei-me para lá em 2013, quando terminei o mestrado. 

Em 2017 fui contratado como chefe de capela (ou regente-titular) do Coro dos Meninos Cantores e como preparador do Coro da Ópera Estatal de Viena. Já trabalhava na Concert House de Viena. No mesmo ano, foi concedido a mim o Erwin Ortner, prêmio de música coral mais importante da Áustria.

Depoimento a Guilherme Novelli

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