“Yomeddine”, drama egípcio com mensagem positiva que concorre à Palma de Ouro, vai na linha das histórias de patinho feio. Na trama, um homem que tem no corpo as marcas da hanseníase, deslocado e humilhado, sai à procura de seu lugar no mundo.
O filme também representa, de certa forma, vitória de outro patinho feio: seu diretor, um iniciante que recebeu dezenas de nãos para tentar bancar a produção e, ainda assim, emplacou esse seu primeiro longa na competição do Festival de Cannes.
A.B. Shawky, 32, é o mais inexperiente dos diretores na disputa. Filho de pai egípcio e de mãe austríaca, nutria desde a época da universidade a ideia de rodar um longa baseado em um leprosário que conheceu no Egito.
Como ele mesmo afirma, percebeu que a hanseníase é “mais uma condição social do que propriamente médica”.
Criou assim a história de Beshay, viúvo que passou a vida toda numa colônia de tratamento no deserto e resolve partir para reencontrar a família que o deixou lá. Tem como companheiro de viagem –e aparentemente única pessoa que não encara com asco seus dedinhos atrofiados e seu nariz deformado— um menino órfão, garoto negro chamado Obama.
Os dois são “underdogs”, marginalizados do sistema. E é entre outros marginalizados que eles vão circular nesse “road movie” cheio de mensagens positivas e nem um pouco sutis.
Também é um empilhado de referências óbvias. Numa das cenas, Beshay é agredido e grita “Eu sou um ser humano”, como na mais famosa cena de “O Homem Elefante” (1980), de David Lynch. Noutra, é acolhido por uma trupe de desfigurados aos modos de “Os Monstros” (1932), de Tod Browning.
“Yomeddine” significa “Dia do Julgamento”: aquele em que todos, independentemente de quem são e de como são, serão igualmente avaliados.
O ator principal não é profissional. Rady Gamal foi encontrado pelo diretor numa colônia de tratamento para portadores de hanseníase.
Sem nenhum nome famoso no elenco e com o desejo de rodar em partes inóspitas do Egito, Shawky diz ter recebido sucessivos nãos de parceiros para o projeto. “Ajudaremos quando tiver pronto”, conta ter ouvido.
Só arrecadou dinheiro para finalizar a obra depois de ter, segundo ele, sido chamado para trabalhar como consultor de assuntos árabes para a série “The Looming Tower”, produção da Hulu sobre os antecedentes do 11 de Setembro.
Terminado, “Yomeddine” foi rejeitado por festivais estrangeiros, segundo relata o site especializado Deadline, mas ganhou um aceno da mostra Um Certo Olhar, certame paralelo à competição principal de Cannes. Coisa rara, acabou sendo “promovido” de última hora para compor a seção principal.
Abertura gelada
“Yomeddine” não comoveu os jornalistas na sessão de imprensa, mas teve uma recepção muito mais calorosa do que “Todos lo Saben”, a aguardada colaboração entre o diretor iraniano Asghar Farhadi e os atores Penélope Cruz e Javier Bardem. O filme, que abriu o festival, foi mal aplaudido e acolhido como uma grande frustração pela crítica.
Cruz interpreta uma mulher que volta à sua cidadezinha natal na Espanha para o casamento da irmã e reencontra o amor de infância (Bardem), enquanto seu marido, vivido por Ricardo Darín, fica na Argentina.
Um crime ocorre durante a cerimônia e levará os personagens a confrontar o próprio caráter, a exemplo do que ocorre na maioria dos filmes de Farhadi. Só que, ao contrário do que o diretor mostrou nos oscarizados “A Separação” e “O Apartamento”, aqui com muito menos sofisticação na trama.
O jornalista se hospeda a convite do festival
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