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Cinema

Filme mostra cegueira que impede aceitação do outro nas relações sociais

Fragilidade do roteiro tira força de 'Teu Mundo Não Cabe Nos Meus Olhos', mas não seu mérito

O ator Edson Celulari e a atriz argentina Soledad Villamil em cena do filme 'Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos' - Divulgação
Alexandre Agabiti Fernandez
São Paulo

 

Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos

  • Quando estreia nesta quinta (3)
  • Elenco Edson Celulari, Soledad Villamil, Leonardo Machado
  • Produção Brasil, 2018
  • Direção Paulo Nascimento

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Cego desde a infância, Vitorio (Edson Celulari) é conhecido no bairro paulistano do Bixiga pelas saborosas pizzas que prepara no estabelecimento herdado do pai. Bem-humorado —faz piadas com a própria deficiência—, Vitorio é o típico personagem simpático, talhado para estabelecer empatia com o espectador.

Sem visão, aguçou olfato, tato e paladar para sentir o ponto exato da massa e do molho de tomate, por exemplo. Muitas vezes sua sensibilidade também lhe permite captar as intenções de alguém, ou uma mudança de humor.

A oposição entre "ver" e "sentir" é constantemente recolocada pelo personagem, que concebe o sentir como "ver por dentro", traço essencial da metáfora em torno da cegueira que o filme constrói.

O pizzaiolo vive com a mulher, Clarice (Soledad Villamil), uma argentina que dá aulas de química em colégios e fica no caixa do restaurante à noite, e a filha Alícia (Giovana Echeverria).

Cena do filme 'Teu Mundo Não Cabe nos Meus Olhos' - Divulgação

O relacionamento do casal é mal trabalhado pelo roteiro, assinado pelo diretor Paulo Nascimento. Vitorio e Clarice manifestam seu amor, mas as coisas não vão além disso. A conexão entre ambos é delineada de modo superficial.

A falta de densidade aparece na inútil lentidão com a qual o roteiro apresenta os personagens e sobretudo na deficiente caracterização destes e na falta de qualidade dos diálogos, frequentemente explicativos em demasia.

Isso prejudica o desenvolvimento da complexidade dos personagens centrais, principalmente em relação a Clarice, que renunciou à fortuna do pai e à carreira universitária para se dedicar ao marido. Mas sentimentos e motivações mais íntimas não afloram. O que domina são silêncios e um olhar entristecido.

A força da história fica prejudicada, pois é exatamente Clarice quem introduz a principal tensão da narrativa ao incentivar o marido a fazer um novo tipo de cirurgia que pode reverter a cegueira.

O problema é que Vitorio aprendeu a viver com a deficiência e não se mostra nem um pouco disposto a recuperar a visão. Prefere continuar "sentindo" o mundo a vê-lo, prefere a imaginação à imagem.

A cumplicidade que não se vê entre o casal é o ponto forte na relação entre Vitorio e Cleomar (Leonardo Machado), devotado assistente e garçom da pizzaria, apesar de também sofrer com diálogos pouco inspirados. O convívio entre eles traz os melhores momentos de humor.

Fragilidades do roteiro felizmente não tiram o maior mérito do filme: apontar outra cegueira que não a de Vitorio, aquela presente nas relações sociais, a cegueira moral que impede pessoas de aceitarem os outros como são, respeitar suas escolhas. Vitorio enxerga mais do que todos, mas estes não percebem.

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