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Greenblatt dribla tentação de escrever compêndio enciclopédico e ilegível

Em 'Ascensão e Queda de Adão e Eva', autor americano segue convenções da biografia intelectual

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Ascensão e Queda de Adão e Eva

  • Preço R$ 69,90 (368 págs.)
  • Autoria Stephen Greenblatt
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Donaldson M. Garschagen

Ao escrever "Ascensão e Queda de Adão e Eva", o americano Stephen Greenblatt segue as convenções de um gênero já bem estabelecido, que poderia ser classificado como biografia intelectual.

Em livros desse tipo, o escritor escolhe um grande tema da história das ideias —no caso, a figura de nossos "primeiros pais", como ainda são chamados na liturgia católica— e busca enxergar ramificações desse conceito ao longo de séculos ou mesmo milênios.

Adão e Eva em gravura de Albrecht Dürer, de 1504 - RMN

Quando se fala de Adão e Eva, o difícil é evitar que, feito a Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal que levou à derrocada do casal primevo, essas ramificações saiam do controle, e o sujeito acabe tendo de resumir a história inteira da civilização ocidental em um único tomo.

A influência cultural de ambas as figuras, afinal de contas, talvez só seja comparável à de Jesus Cristo.

Greenblatt escapa da tentação de produzir um compêndio enciclopédico e ilegível circunscrevendo sua análise a quadros mais ou menos estanques no espaço e no tempo, similares às cenas individuais da arte medieval e renascentista que ele descreve com grande sensibilidade no livro.

O primeiro desses quadros corresponde às origens das duas narrativas da criação do mundo e dos seres humanos no livro bíblico do Gênesis.

Entremeando a história dos antigos israelitas e a análise dos mitos do Oriente Próximo, o escritor mostra como a Bíblia hebraica surgiu como uma espécie de versão subversiva da mitologia babilônica.

Diversos aspectos da narrativa bíblica, do fruto proibido à serpente, já estavam presentes nas civilizações mesopotâmicas que acabariam dominando Israel, mas são metamorfoseadas pela crença no Deus único e pela ênfase nas consequências da responsabilidade moral do homem (e da mulher, é claro).

Uma vez que o mito israelita transformado se tornou um dos pilares do cristianismo, religião com aspirações universais, a história do Jardim do Éden se transformou uma lente igualmente universal para enxergar a natureza humana.

Nascemos inocentes ou somos perversos desde o berço? Todos os "filhos de Adão" vêm ao mundo como iguais ou as diferenças entre os seres humanos existem desde sempre?

A começar pelo apóstolo Paulo e por santo Agostinho (séc. 4º d.C.), seu mais influente exegeta, o que teria acontecido com o casal primordial virou a chave para analisar dicotomias entre natureza e cultura, fé e razão, masculino e feminino (gerando, em parte, as correntes de misoginia, culpando Eva pelos males do mundo, que ainda causam problemas a muitas mulheres).

Se a obra tem um ponto fraco, mais ou menos como o calcanhar da descendência de Eva que seria mordido pela serpente, conforme Deus profetiza no Gênesis, é a tentativa de relacionar os estudos sobre evolução humana e primatologia (incluindo a visita do autor a uma floresta habitada por chimpanzés) com a narrativa bíblica.

Nesses pontos, a impressão que fica é de certa falta de familiaridade de Greenblatt com a teoria da evolução. De qualquer maneira, é um esforço valente.

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