Grupo se pinta de prata e discute personagens invisíveis da metrópole

Cia. Mungunzá completa dez anos com 'Epidemia Prata', inspirada em meninos prateados de SP

MLB
São Paulo

Causava certo alumbramento, conta o ator Marcos Felipe, da Cia Mungunzá de Teatro, ver por São Paulo os garotos que se pintam de prata, fazem malabares e pedem um trocado em semáforos e transportes públicos.

"A gente [do grupo] se questionava por que eles se pintavam de prata. Quando perguntamos, disseram: 'Porque prata dá mais prata'", lembra ele.

Os meninos viraram a base de "Epidemia Prata", espetáculo da Mungunzá que celebra os dez anos da companhia. A peça estreia nesta quarta (23) dentro do projeto Cenas do Centro, do Sesc 24 de Maio, com obras que discutem a região central paulistana.

É um trabalho também influenciado pelo entorno da trupe, que há um ano inaugurou sua sede, o Teatro de Contêiner, na região da Luz, próximo à cracolândia.

A vivência dos artistas no espaço, as histórias que presenciaram e os personagens que conheceram permeiam a narrativa, em parte feita em tom confessional. Contam, por exemplo, a relação com usuários de drogas e moradores de rua ou a história de um garoto que certo dia afanou os papéis higiênicos do teatro.

O relato documental serve de costura para outras cenas mais performáticas e visuais.

Aos poucos, os atores se tingem de prata, como os meninos que os instigam. Movem-se sobre uma tampa de bueiro e espalham pelo chão e pelo corpo uma leva de moedas de cinco centavos. Vez ou outra, fazem um ruído com a boca, como se imitassem ratos.

O mito de Medusa, aquela que petrifica com o olhar, surge como referência —com o elenco de corpo enrijecido, a boca aberta e os olhos arregalados, lembrando a personagem mitológica.

"Estamos ficando duros, impermeáveis. Inclusive para a escuta, para qualquer forma de comunicação sutil", afirma Georgette Fadel, convidada a dirigir a montagem.

A petrificação, diz Marcos Felipe, também se refere à forma como por vezes criamos conceitos preestabelecidos dos outros. "Nós nos questionamos porque você pode ser a medusa de uma pessoa."

A ideia do duro, do rígido, está muito presente nos objetos da peça, de pedra e metal. Como os instrumentos de sopro que utilizam em cena.

"É um espetáculo que fuça esses elementos sintéticos", explica Georgette. "São objetos de um materialismo extremo, dessa nossa rigidez."

Por fim, "Epidemia Prata" é ainda uma espécie de autocrítica à própria companhia: um grupo de classe média, formado em escolas particulares, falando desses personagens marginalizados.

"É contraditório. É uma companhia privada que gere um espaço público [o terreno pertence à prefeitura]. Ao mesmo tempo, o projeto da Mungunzá é muito democrático, acolhe aquele entorno", comenta Georgette.

Logo no início da peça, uma personagem (interpretada por Virginia Iglesias) fica dentro de uma bolha plástica, como se apartada da realidade. Na sua redoma, fala, um tanto aflita, sobre o ato de dar esmolas: "Eu sempre tenho alguma coisinha. Eu gosto de dar. Por que eu não daria?".

Epidemia Prata

  • Quando Qua. a sex., às 21h (sessões extras nos dias 16/6, às 18h, e 17/6, às 21h). Até 17/6
  • Onde Sesc 24 de Maio, r. 24 de Maio, 109, São Paulo
  • Preço R$ 12 a R$ 40
  • Classificação 14 anos
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