Descrição de chapéu música

Israel recebe Netta como símbolo da aceitação e da diplomacia

Após perder trabalhos por ser gorda, cantora vence Eurovision e volta para casa como heroína

Netta Barzilai, 25, celebra vitória do Eurovision - Armando Franca/Associated Press
Daniela Kresch
Tel Aviv

Há apenas seis meses, a israelense Netta Barzilai, 25, era uma cantora de casamentos anônima contando os centavos para pagar o aluguel do pequeno apartamento em Tel Aviv que divide com dois amigos.

Na noite de segunda-feira (14), no entanto, ela precisou de uma entourage de seguranças para subir ao palco da praça Rabin, tradicional local de shows e protestos, para cantar para milhares de fãs eufóricos que berravam seu nome.

O semblante da cantora não escondia a incredulidade com a fama instantânea, conquistada depois de vencer o Eurovision deste ano, que aconteceu em Lisboa, no sábado (12).

Netta superou competidores de 25 países na final do concurso de música internacional com "Toy", canção divertida sobre o empoderamento feminino que se destacou por trechos em que a cantora cacareja e faz gestos que imitam galinhas, como se chamasse os homens covardes.

A mensagem da canção (com frases como "Não sou seu brinquedo" e "Mulher Maravilha, nunca se esqueça: você é divina") conquistou os israelenses principalmente pela história pessoal de Netta.

A israelense não representa o ideal de beleza tradicional das cantoras do Eurovision (como a cipriana Eleni Foureira, que ficou em 2° lugar). Gorda, sofreu bullying tanto na escola como fora dela. A um canal de TV local, contou que um casal cancelou sua apresentação em seu casamento depois de vê-la.

"A festa não é apenas de uma música, é da Netta, que sofreu por tanto tempo. O nosso mundo mudou e espero que continue a mudar por causa dela", disse à Folha o cantor Moshe Datz, veterano do Eurovision, febre em Israel desde que o país começou a participar do concurso, em 1973.

O triunfo elevou Netta —que venceu um reality show para representar Israel no Eurovision— a heroína nacional também por motivos diplomáticos. Ao receber o prêmio, ela prometeu: "No ano que vem, em Jerusalém!".

A frase tem simbolismo religioso --judeus a entoam há 2.000 anos-- e político. Israel considera Jerusalém sua capital, algo corroborado apenas pelos EUA de Donald Trump (além da Guatemala e do Paraguai).

O resto do mundo considera Tel Aviv a capital, em meio à interminável disputa entre israelenses e palestinos pela cidade sagrada.

"Estou tão feliz! Obrigada por escolher o diferente, aceitar as diferenças entre nós e celebrar diversidade! Amo o meu país!", agradeceu Netta, que depois recebeu um telefonema do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, no qual ele a chamou de "melhor embaixadora de Israel".

A vitória caiu bem para Netanyahu numa semana complicada, em que embates na fronteira com a Faixa de Gaza deixaram mais de 60 palestinos mortos e levaram muitos países a condenar Israel.

Na mesma semana, os EUA, à revelia da ONU, transferiram sua embaixada para Jerusalém (14).

Ele até brincou, frente às câmeras, imitando a dança da galinha de Netta.

O troféu de Netta é visto, por muitos israelenses, como uma vitória sobre o movimento BDS (Boicote, Desinvestimento e Sanções), que prega o boicote de Israel não só em termos políticos mas também acadêmicos e culturais.

O grupo lançou uma campanha pedindo aos europeus que dessem "zero pontos" para Israel no concurso musical (metade da pontuação é dada pelo público, a outra por juízes de cada país participante).

"Ela não se importou com o BDS ou outros críticos porque estava ocupada se preparando para vencer", contou à Folha Sivan Young, produtor da cantora.

Um dos "outros críticos" é vencedor do ano passado, o português Salvador Sobral, que chamou de "terrível" a música israelense.

Sobral é conhecido por desdenhar das canções pop e por vezes bregas do Eurovision. O cantor português voltou ao palco do concurso para entoar a vencedora "Amar Pelos Dois", desta vez com Caetano Veloso como convidado.

Esta foi a quarta vitória de Israel no Eurovision (as outras foram 1978, 1979 e 1998), concurso criado em 1956 para unir a Europa do pós-Guerra.

Naquele ano, havia 14 países. Neste, a competição —o show ao vivo com maior audiência do mundo, 600 milhões de espectadores— contou com 42 países, incluindo alguns que não ficam na Europa, como Austrália e Armênia.

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