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Oscar crítica de filmes

Melodrama 'Querida Mamãe' sofre de sérios problemas de adequação

Baseado em peça de Maria Adelaide Amaral, filme não nos faz sentir o drama humano

Filme Querida mamãe
As atrizes Selma Egrei e Letícia Sabatella em 'Querida Mamãe' - Divulgação
Sérgio Alpendre

Querida Mamãe

  • Classificação Estreia na quinta (17)
  • Elenco Letícia Sabatella, Selma Egrei, Marat Descartes
  • Produção Brasil, 2017
  • Direção Jeremias Filho

Existe um forte preconceito contra o melodrama. Do público, que logo rotula de melodrama (ou de sua variante mais ofensiva, dramalhão) aquilo que acha brega. Mas também de boa parte dos cineastas, que evitam qualquer sinal que possa ser interpretado como melodrama.

É, contudo, um gênero nobre. E de caminhos muito difíceis de serem percorridos. Uma pequena desmesura, tem-se o desastre. É preciso ter coragem de abraçar o melodrama, sob o risco de ficar num desagradável e excessivamente cauteloso meio-termo.

Em "Querida Mamãe", o diretor Jeremias Moreira Filho resolve encarar o bicho de frente, consciente do fracasso retumbante que estava à sua espera.

Retumbante, no caso, é a única opção para quem escolhe o melodrama e não é bem-sucedido. Se é para errar, que seja retumbantemente, porque ao menos significa que não houve recuo.

Assim é a trama que coloca em contraposição uma filha, Heloisa (Letícia Sabatella), médica em crise com a profissão e com o casamento, e sua mãe, Ruth (Selma Egrei), durona, que sofre de uma doença grave e recusa tratamento.

Heloisa sofre ainda por ter se casado com um homem detestável chamado Sérgio (Marat Descartes) e pelos desentendimentos com a filha adolescente. Seu consolo é a paixão pela artista plástica Leda (Claudia Missura), numa relação afetada pelo preconceito ao redor.

Baseado em uma peça de Maria Adelaide Amaral, "Querida Mamãe" sofre de sérios problemas de adequação. Por mais que o Brasil pareça cada vez mais arcaico e sua sociedade mais primitiva, causa espanto ouvir algumas coisas num filme que procura ser atual (os smartphones não me deixam mentir).

Há, por exemplo, uma fala que aparece duas vezes no filme: "Casamento na minha época era para sempre". Ora, e que época seria essa? A julgar pela idade das personagens, tudo indica que seria a década de 1970. Mas, pensando bem, uma frase dessas só faria sentido numa personagem que estivesse idosa nos anos 70 e evocasse os anos 1930 ou 40.

Outro problema é que as reações de Sérgio e Priscila, a filha adolescente, parecem saídas de alguma cartilha do preconceito sexual. Ele é publicitário. Mas não age como um homem bem-sucedido de criação do século 21 (o que poderia também ser negativo, mas de outro modo). Sérgio parece ter se congelado nos anos 1950 e descongelado só agora.

A garota é ainda pior. Não é por acaso que só há uma cena dela com as amigas, e uma cena muito breve. Sua mentalidade nunca parece ser a de uma garota de 14 anos de hoje, habituada a uma série de curiosidades e antenada com as mudanças do mundo.

Essas inadequações prejudicam consideravelmente a progressão dos conflitos. Não sentimos o drama humano, e sim a ilustração dos preconceitos e de suas consequências.

E apesar de tudo, graças à decisão do diretor de não arredar pé das possibilidades melodramáticas, de algo do texto original que permanece forte e do trabalho de Sabatella e Egrei, há algo que nos prende. É a força do melodrama, quando fracassa da maneira certa.

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