Descrição de chapéu
Moda

Moda temperou vaidade descrita em livros e encenada na vida por Tom Wolfe

Escritor, morto na terça (15), encarnou com ternos claros e acessórios dândi do século 20

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

​A ironia modelada por hipérboles não era apenas um fator estilístico da escrita de Tom Wolfe mas também um dado que se espelhava na figura do autor de “A Fogueira das Vaidades” (1987) e “Radical Chique” (1970).

Com a mesma extravagância que fluía de sua caneta, o escritor, morto na terça-feira (15), em Nova York, encenou na vida o personagem cujos ternos claros ofendiam os olhos à luz do dia.

Tom Wolfe certamente não foi o primeiro escritor a abraçar a verve fashionista —ele tem antecedentes no romântico Lorde Byron (1788-1824) ou no estetismo de Oscar Wilde (1854-1900). Mas foi o jornalista americano quem usou a moda como alicerce da vaidade travestida de crítica.

 

Conta-se que sua predileção pelo branco teria nascido de uma imposição da miséria.

Em 1960, quando conseguiu emprego no New York Herald Tribune, pôde comprar um único terno, mas não calculou que era inverno e a cor do modelo escolhido incomodaria a restritiva noção de gosto da elite nova-iorquina. Em 2013, Wolfe contou ao jornal El País que a cartela de tons claros se tornaria sua “maravilhosa e inofensiva forma de agressão”.

E de proteção. As críticas ácidas nas entrelinhas da oratória vinham acopladas à imagem sóbria, quase inocente, que servia para diminuir o volume da fala e virar antídoto para o veneno.

O motivo da imagem imutável foi também estratégia para não passar despercebido, transformando Wolfe em um “homem de Marte”, como ele dizia. Pura vaidade. O mesmo artifício do look de tom único é usado por celebridades, como a rainha Elizabeth, para que os seguranças não a percam de vista.

Espécie de dândi da literatura no século 20, Wolfe frequentou o mesmo alfaiate por décadas. Radicado em Nova York, o italiano Vincent Nicolosi ostenta em seu ateliê na avenida Madison todos os caprichos do famoso cliente: uma vasta oferta de tecidos claros, abotoaduras, botões, coletes, camisas e calças retas, sempre combinadas com meias de padronagem geométrica e sapatos bicolores.

Um dos registros mais curiosos sobre a construção da identidade de Wolfe é a dedicatória de “Eu Sou Charlotte Simmons” (2004): “Ao egrégio maestro, o incomparável Vincent Nicolosi. O que dá vida a esse livro é o terno do cara na contracapa”.

Mas não só os ternos o destacaram. A gravata borboleta e as riscas de giz de Truman Capote (1924-1984) não tiveram tanta influência na geração de fashionistas intelectuais dos Estados Unidos quanto a combinação dos padrões impressos nos lenços de Wolfe.

O acessório sempre tinha a borda costurada na mesma cor da camisa ou do paletó e, quando a gravata era estampada, recebia tingimento similar.

Chapéus, peças geralmente usadas para esconder a calvície, foram seus aliados desde os tempos de universidade, quando ele os combinava à camiseta e ao guarda-chuva. Posteriormente, a bengala serviria de complemento à imagem de aristocrata bem-humorado.

Wolfe espetacularizou a persona pública em uma época pré-selfie, antes de suas armas visuais se tornarem obsoletas e cederem lugar à exposição virtual, fato que o coloca na posição de oráculo da vaidade instagramável dos dias de hoje.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.