Mostras de Rossellini e Herzog salvam o feriado em São Paulo

Cinesesc promove ciclo dedicado ao italiano, e Ecofalante faz retrospectiva com 18 filmes do alemão

Cena de 'Roma, Cidade Aberta', de Roberto Rossellini, filme a partir do qual o cinema moderno passa a existir - Divulgação
Inácio Araujo

Como que adivinhando a greve dos caminhoneiros, São Paulo se preparou programando duas mostras de primeira para estes dias.

A primeira delas se chama Ecofalante e chega à sua sétima edição, desta quinta (31/5) até 13/6, trazendo uma retrospectiva com 18 filmes do alemão Werner Herzog e um curta de Jia Zhangke, entre outros. Já o Cinesesc promove um ciclo dedicado a Roberto Rossellini.

Só aqui temos três gerações importantes de cineastas: Rossellini é o criador do neorrealismo italiano; Herzog representa a geração que ressuscitou o cinema alemão nos anos 1970 e Jia Zhangke é o nome mais ilustre do cinema chinês contemporâneo.

Nesses casos é preciso sempre começar por Rossellini, pois é com ele que o cinema moderno passa a existir. Mais precisamente, com seu "Roma, Cidade Aberta" (1945), que filmou nos escombros de uma Roma ainda destruída pela guerra.

Nem os estúdios de cinema haviam sobrado. Rossellini não se apertou: levou a equipe e os atores para a rua. Não havia luz artificial? Destelhava-se a casa em que se estava filmando. Não havia negativo? Pedia-se emprestado uma ponta que sobrou de algum outro filme. Não havia atores famosos à disposição? Iam os menos famosos mesmo.

Sua obsessão no momento: recriar a capital romana nos dias de ocupação alemã, no final da guerra, do ponto de vista dos resistentes e, sobretudo, de um padre resistente.

O sucesso mundial de "Roma" permitiu a Rossellini desenvolver seu sistema baseado na total desimportância que atribuía à montagem, em que via o momento de má-fé do cinema. Provas disso são "Paisà" (1946), "Alemanha, Ano Zero" (1948) e "Stromboli" (1949): três filmes do pós-guerra em que usa planos longos, trabalha com recursos limitados e enorme preocupação de restituir ao espectador a experiência do real. Era tão apegado a essa ideia que via com maus olhos a "criatividade", instituição capaz de ferir a realidade.

"O Medo" (1954) e "Índia: Matri Bhumi" (1959) completam o ciclo. Rossellini, a descobrir ou a redescobrir, cada vez mais essencial.

Alvo de retrospectiva no 7ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental, Werner Herzog não esperou o ambientalismo entrar na moda.

Seu apego à natureza deriva do romantismo alemão. Nada mais justo, portanto, que seja homenageado numa retrospectiva com 18 de seus filmes —entre longas, médias e curtas-metragens de praticamente todas as suas fases.

O ator Klaus Kinski em cena do filme 'Aguirre', de Werner Herzog - Divulgação

A primeira e mais famosa fase é a que o afirmou na trinca forte do "novo cinema alemão", ao lado de Fassbinder e Wenders. Ali estão filmes como "Aguirre" (1972), "Coração de Cristal" (1976), "Fata Morgana" (1971). Mas também pode-se acrescentar a esse momento seu curta de estreia, "Hercules", de 1962, e o notável documentário "La Soufrière" (1977), sobre um vulcão prestes a entrar em atividade.

O nome chave desse momento é, claro dúvida, o do genial ator Klaus Kinski, protagonista de "Aguirre", que ainda pode ser visto em "Nosferatu - O Vampiro da Noite" (1979), "Fitzcarraldo" (1982) e "Cobra Verde" (1987).

A ele, aliás, Herzog dedicará "Meu Melhor Inimigo" (1999), documentário sobre as atribuladas relações entre ambos. Mais do que tudo, um filme em que manifesta seu pleno interesse pelo que no mundo possa ser único, diferente, estranho. Ou seja: Kinski.

O traço mais propriamente ambientalista de Herzog surge mais tarde, entre outros, em "O Homem Urso" (2005), surpreendente documentário sobre a convivência de um homem com ursos, e no belíssimo "Caverna dos Sonhos Esquecidos" (2010), filmado em 3D no interior de uma caverna no sul da França, onde se descobriram traços de pinturas com cerca de 10 mil anos.

Se o ambientalismo de Herzog pode ter origem no pensamento alemão, o de Jia Zhangke surge em função da rápida e não raro destrutiva industrialização chinesa.

O curta "Os Hedonistas" (2016) tem como ponto de partida o fechamento de uma mina e o destino de mineiros desempregados.

Se num festival dessa natureza é quase obrigatório dar atenção a "Chico Mendes: Eu Quero Viver" (1989, de Adrian Cowell), é preciso até por razões estéticas atentar a "Banco Imobiliário" (2016), belo média de Miguel Ramos.


7ª Mostra Ecofalante de Cinema Ambiental

De 31/5 a 13/6, no Espaço Itaú Augusta e outras salas. Grátis. Programação em ecofalante.org.br

 

Mostra Roberto Rossellini

De 31/5 a 5/6, no CineSesc (r. Augusta, 2.075). De R$ 3,50 a R$ 12. Programação em sescsp.org.br/cinesesc

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