Descrição de chapéu

Na cozinha, o saber científico conduz à frieza ou à excelência?

Conhecimento de reações de ingrediente é mesmo importante ou o teste da colherinha na mão basta?

Nina Horta
São Paulo

O assunto é comida e quanto me arrependo de não ter estudado química, biologia, matérias infinitamente mal dadas na escola de freiras. Tão burrinhas, coitadas! Como elas podiam ensinar o que não haviam aprendido?

A primeira vez que me toquei como faziam falta esses estudos foi quando esteve por aqui o dono do Mugaritz, o Andoni Aduriz, aquele que pega ou pegava um tomate na mão e ficava de olho parado e fixo até que o tomate começasse a conversar com ele.

O chef Andoni Aduriz, do espanhol Mugaritz - Richard Vines/Bloomberg

É enorme a falta que as referências fazem aos cozinheiros caseiros, aqueles que cozinham de verdade, sem medo de serem felizes, sem penso.

Hoje estou com a cabeça cheia de citações velhas. Essa história de "penso" é a cozinheira se candidatando ao emprego e informando ao empregador quanto queria ganhar. "Bem, tenho dois preços, um com penso, outro sem penso." Se o penso fosse feito pela patroa, o salário que ela pedia baixava horrores.

Imaginem um cozinheiro intuitivo, jeitoso, tendo fundamentos de técnicas de laboratório e industriais. Nicholas Kurti, que conheci em Oxford, é autor da frase: "É uma falha de nossa culinária o fato de conseguirmos medir a temperatura na superfície de Vênus e não termos a menor ideia do comportamento de um suflê no forno".

Verdade, quantas centenas, milhares de anos trabalhamos com o gosto, com a mistura de sabores, orientando-nos somente pelo paladar da colher enfiada na comida e trazida para o dorso da mão e experimentada. Tem dado certo, mas com certeza nos pouparia de muitos erros ao longo de da nossa vida de cozinheiros se tivéssemos mais informação científica. Acho.

Outra história é aquela da receita de família do peixe assado em duas fôrmas. Metade com a cabeça numa fôrma e a metade com o rabo em outra. Era delicioso, durou três gerações, até que um curioso qualquer resolveu perguntar o porquê de duas fôrmas. Ninguém sabia, foi feita uma pesquisa familiar até que se descobriu que a tatatataravó não tinha uma fôrma grande onde o peixe coubesse inteiro.

Por exemplo, tratamos o leite de uma vaca sem pensar em como aquela máquina malhada que come capim seco nos dá aquele maravilhoso líquido branco.

E entramos logo no campo da ficção científica se imaginamos as centenas de anos que o primeiro bicho levou para conseguir se alimentar daquele líquido proteico que era como um suor na pele de outro bicho.

E se deixamos para descobrir depois de já cozinheiros, não vai dar tempo, não vai. São formigueiros de conceitos que teríamos de adquirir. Só no leite, palavras como glóbulos, proteínas, fosfolipídios, caseína, micelas, dimetil, sulfeto...

Vejam a importância para entender bem o sabor dos alimentos. Esse pequeno trecho nos esclarece. "Aquecer o leite a mais de 76 graus centígrados faz com que apareçam os sabores de baunilha, de amêndoa, caramelo de manteiga. Outras reações fazem com que apareçam no leite gosto de peixe, de tinta, vinagre, frutas", enfim... Já sentiram tudo isso?

Seria mesmo importante para o cozinheiro o conhecimento científico das reações dos ingredientes, ou o teste da colherinha na mão, o "corrija" da receita, bastam? Não seria muito bom um cozinheiro "savant"? Perigoso? O que fazer sem as madeleines? A estrada excessivamente técnica pode eliminar as sensações proustianas? Ou conduz à excelência?

Ficam as perguntas.

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