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Ofélia, de 'Hamlet', ganha voz em 'Quero Morrer com Meu Próprio Veneno'

Já espetáculo 'Eu Sou Essa Outra' se inspira em memórias e conflitos da atriz Liv Ullmann

MLB
São Paulo

Ofélia seria uma figura um tanto silenciada. A personagem de "Hamlet", tragédia de Shakespeare, que aos poucos perde tudo, até a própria vida, é sempre lembrada como a "menina morta", diz a dramaturga Ana Carolina.

"É diferente de uma Lady Macbeth ou de uma Julieta [outras criações do bardo]. Ofélia é só uma peça usada num jogo de vinganças."

Pensando em dar voz a essa garota emudecida, a autora chegou a "Quero Morrer com Meu Próprio Veneno". O texto, criado no ano passado dentro do Núcleo de Dramaturgia Sesi-British Council, ganhou encenação de Mika Lins, com estreia nesta quarta (30).

Num palco em forma de corredor, três atrizes interpretam diferentes vozes dessa Ofélia: a própria jovem (Luisa Micheletti), o seu pensamento (Luiza Curvo) e o que ela escuta dos outros (Luna Martinelli).

Alternam fatos da tragédia --como a perda do pai, assassinado por engano por Hamlet, paixão da garota-- com novas reflexões da própria personagem. "A minha vida inteira foi escrita por homens. (...) Coloquei tudo na mesa e nada é meu", diz ela em cena.

Em certos momentos, uma voz gravada pela atriz Bel Kowarick narra trechos de "Hamlet". Uma forma, explica a diretora, de deixar mais nítidos os conflitos da personagem.

Há ainda um tom contemporâneo nessa nova Ofélia. Ela manda mensagens de celular, fala de redes sociais e discute a falta de protagonismo feminino num mundo em que emergem movimentos como #MeToo e #TimeIsUp.

"Homem louco muda o mundo. Mulher é histérica. Está de TPM", ironiza a personagem, lembrando o desvario, por vezes tido como bravura, que acomete Hamlet.

Em sua encenação, Mika buscou fugir do literal. Não há, por exemplo, referências diretas ao afogamento de Ofélia, imagem exaustivamente retratada em quadros (como a célebre tela do britânico John Everett Millais, de 1851).

Os figurinos e o cenário de Cassio Brasil são todos em preto, das vestes das atrizes às roupas de tule que, penduradas, preenchem o corredor como fantasmas. Estes são recortados pela iluminação de Caetano Vilela, com feixes de luz vindos do fundo do palco.

Também há um trabalho corporal das atrizes (feito com o coreógrafo Diogo Granato), que por vezes parecem dançar em meio aos tules.

"Precisávamos criar imagens para esse discurso duro", diz Mika. "De certa forma, voltamos ao teatro dos anos 1980, que se liga ao teatro-dança e à produção de imagens."

Quero Morrer com Meu Próprio Veneno

  • Quando Qua. a sáb., às 20h30, dom., às 19h30. Estreia 30/5. Até 22/7
  • Onde Centro Cultural Fiesp - mezanino, av. Paulista, 1.313
  • Preço Grátis (reservas pelo site centroculturalfiesp.com.br)
  • Classificação 14 anos

 

Memórias e voz criadora da atriz Liv Ullmann guiam peça

Outra voz feminina, desta vez de uma figura real, é colocada em cena de "Eu Sou Essa Outra". São os escritos e vida da norueguesa Liv Ullmann que guiam a montagem, em cartaz em São Paulo.

A dramaturgia de Carla Kinzo parte em especial do livro autobiográfico "Mutações", em que a intérprete fala, entre outros assuntos, da carreira, dos papéis da mulher no meio artístico e do casamento conturbado com o cineasta Ingmar Bergman (1918-2007).

Para a atriz Rita Gullo, que idealizou a peça com a colega Maria Laura Nogueira, "é [um livro] tão sincero, tão forte e singelo ao mesmo tempo".

"Eu estudei cinema [na USP] e esse livro nunca foi citado", comenta a cineasta Vera Egito, que dirige a montagem, sua estreia no teatro. "Isso é muito sintomático, porque o universo dos diretores é muito masculino. E a Liv fala muito nesse livro da autonomia da atriz enquanto voz criadora."

Maria Laura e Rita são acompanhadas em cena pela atriz Nana Yazbek. O trio se reveza na história de Ullmann, narrada de forma não cronológica, por vezes embaralhada.

Além da biografia, colocam no palco referências a "Persona" (1966), primeiro filme da atriz com Bergman, e "A Casa de Bonecas", peça de Ibsen que a norueguesa montou diversas vezes --e que fala, já no século 19, de uma mulher que deixa a própria casa.

Há aqui também uma reprodução em imagens da história um tanto dura de Ullmann: o cenário de Carmela Rocha traz estruturas nas quais são presos elásticos, manipulados pelas atrizes. Uma representação da resistência e também da resiliência do feminino.

Essa organicidade é replicada na trilha sonora, de ritmo eletrônico, improvisada em cena por Camila Cornelsen, que acompanha o fluxo de movimentos das atrizes.

Eu Sou Essa Outra

  • Quando Qui. a sáb., às 20h30 (dia 31/5, às 18h). Até 16/6
  • Onde Sesc Pinheiros - auditório 3º andar, r. Paes Leme, 195
  • Preço R$ 7,50 a R$ 25
  • Classificação 14 anos
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