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Artes Cênicas teatro

Peça sobre relação de casal não escapa de clichê

Em 'O Inevitável Tempo das Coisas', encenação multimídia aborda traição, carência e desamor

Amilton de Azevedo
São Paulo

teatro O Inevitável Tempo das Coisas

  • Quando Ter. a qui., às 20h.
  • Onde Teatro Sérgio Cardoso (porão), r. Rui Barbosa, 153, Bela Vista, tel. (11) 3288-0136
  • Preço R$ 40
  • Classificação 14 anos

Não é difícil se identificar com ao menos um quadro de "O Inevitável Tempo das Coisas". É a história de uma relação amorosa, apresentada de forma não linear, tendo como base momentos impactantes.

Mesmo com a grande fragmentação do texto, é possível acompanhar a trajetória de um casal (Natallia Rodrigues e Pedro Henrique Moutinho) que se conhece, se apaixona, briga, enfim: nada de novo, de certo modo.

O dramaturgo Wagner D'Avilla, do espetáculo 'O Inevitável Tempo das Coisas' - Mastrangelo Reino/Folhapress

Para além da confusão proposital entre o tempo das ações apresentadas, há momentos de jogo entre o casal em que não se sabe bem quem é o sujeito de cada história. Também surge como sugestão a criação de outros possíveis a partir da mudança de acontecimentos passados.

A dramaturgia de Wagner D'Avilla busca dar conta de todo o universo de uma relação. No entanto, o faz de maneira muitas vezes rasa, não fugindo de clichês românticos e mesmo de diálogos cotidianos e banais.

Estão, no texto, os problemas enfrentados por muitos casais —traição, carência, desamor. Parece, porém, faltar substância que sustente tais conflitos, um mergulho efetivo no que há de pulsante por trás daquela relação.

José Roberto Jardim assina a direção e reedita parcerias —o que reverbera na encenação. Há uma aparente tentativa do desenvolvimento de uma linguagem própria de Jardim e seus colaboradores, com "O Inevitável Tempo das Coisas" tendo claramente bebido muito na fonte de "Adeus, Palhaços Mortos!", premiado trabalho do diretor.

Nas duas montagens, o Coletivo Bijari assina a cenografia e o vídeo-cenário e Paula Hemsi desenha a luz. A semelhança não é apenas na construção do espaço cênico —a estrutura em quadros, com incessantes blecautes sucedidos por iluminação e projeção em perfeita sintonia, também segue presente.

Cabe observar que buscar aprofundar sua própria pesquisa de linguagem não é apenas natural como também importante para que esta se consolide. A obra leva, dessa maneira, uma assinatura clara de Jardim.

Neste espetáculo, no entanto, a dramaturgia de D'Avilla torna-se quase um contraponto —nem sempre interessante— à encenação: enquanto os recortes imagéticos potencializam a cena e abrem um campo de leituras múltiplas, o texto, por carecer de maior profundidade, acaba fragilizando-a.

Ainda nesse sentido, os frequentes cortes —por blecautes ou pela mudança súbita de atmosfera exigida pelo texto— surgem como desafio para a interpretação. Muitas vezes, o registro dos atores deve mudar subitamente. Em momentos, isso resulta em atuações pouco críveis.

Com as projeções constantes, alternando entre filmagem ao vivo, gravações e efeitos visuais que compõem a atmosfera, o espectador pode minimamente tentar se inserir na fábula apresentada e passar a dar seus próprios sentidos para a cena.

No entanto, ainda que com arroubos de criatividade e excertos poéticos, a dramaturgia parece se ater a um abstrato de relação que se desloca entre extremos em seus ápices, mas não constrói uma base sólida para esse trânsito.

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