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Pornografia reduz taxas de nascimento, disse Tom Wolfe em 2009; releia

Jornalista literário e autor de 'A Fogueira das Vaidades' morreu aos 88 anos nesta segunda (14)

O escritor Tom Wolfe, que morreu nesta segunda (14), ajudou a consolidar a reportagem que adotava técnicas literárias em sua concepção.

Pioneiro do chamado novo jornalismo,  Wolfe escreveu obras que se tornariam clássicos, como o romance "A Fogueira das Vaidades", e textos jornalísticos cultuados, como "Radical Chique" —que trata da relação das elites nova-iorquinas com os Panteras Negras e que seria, numa expressão mais contemporânea, um retrato da esquerda festiva nova-iorquina.

Em 2009, o escritor concedeu uma entrevista ao jornalista da Folha Ivan Finotti, então editor-adjunto da Ilustrada, quando veio ao Brasil para uma palestra em Porto Alegre, e participou da série Fronteiras Braskem do Pensamento. 

O escritor Tom Wolfe que morreu nesta segunda-feira (14)
O escritor Tom Wolfe que morreu nesta segunda-feira (14) - AP

Na entrevista, ele disse que o maior legado do novo jornalismo foi "elevar a não-ficção a um texto superior ao do romance".

Leia abaixo a íntegra do texto e da conversa.

 

Na manhã de anteontem, ao aterrissar em Porto Alegre, Tom Wolfe foi logo cercado por uma mulher. Era uma alemã baixinha e, com seu péssimo inglês, pedia para ele se afastar para que ela pudesse tirar um retrato. Surpreso, Wolfe levantou o olhar e se sentiu feliz por ter sido reconhecido. Atendeu a mulher e sorriu para a foto. Huuuuuummmmmmm, o que está errado na cena acima?


Não há nada propriamente mentiroso, já que se trata de um parágrafo de "new journalism", o estilo jornalístico que Wolfe ajudou a inventar nos anos 60. O repórter escreve como se tivesse presenciado a cena e, mais do que isso, como se estivesse dentro da cabeça do personagem, podendo jurar que o retratado ficou "surpreso" e "feliz" naquele instante.

Huuuuuummmmmmm, eis ali no aeroporto de Porto Alegre o homem do sapato preto e branco, o jornalista que escreveu o romance "A Fogueira das Vaidades" em 1987 e que nos anos 60 adicionou expressões literárias divertidas, ultracoloridas e extrapops nos textos de jornal, iniciando, por exemplo, parágrafos com enigmáticos "huuuuuummmmmmm" de seis "u" e sete "m".

Ele está na cidade para uma palestra da série Fronteiras Braskem do Pensamento, que a empresa patrocina desde 2006. Ontem à noite, ele falaria em Salvador, onde a petroquímica Braskem também atua, e amanhã terá um encontro fechado com jornalistas em São Paulo.

O tema de Wolfe é "O Espírito de Nossa Época" e tudo indica que, aos 78, ele foi atropelado por essa nossa época. Reclama, logo de cara, que saltamos da revolução sexual para um carnaval sexual sem sentido.

Diz que a arte moderna é a soma de imaginação com falta de habilidade e que, se fosse péssimo desenhista como Picasso, também inventaria um movimento artístico com um nome terminado com "ismo" para justificar obras em que uma pessoa tem dois olhos no mesmo lado da face.

Nota que não é mais permitido gostar dos Estados Unidos na América e que, quando leva um broche com a bandeira estrelada em jantares com a aristocracia de Nova York, os convivas fogem daquela visão como o diabo da cruz ("um lobisomem da cruz", para usar a expressão de Wolfe).

Outros assuntos preocupam Tom Wolfe: a neurociência ("A genética diz que você é o resultado de uma programação, não alguém com livre-arbítrio"), a pornografia ("Em todo lugar que ela avança, caem as taxas de nascimento") e Nietzsche ("Ele previu não só o nazismo e as Grandes Guerras no século 20 mas também o eclipse total dos valores no século 21").

Mas, mestre da ironia, termina a palestra fingindo que inverterá a expectativa pessimista, só para tornar a situação ainda mais sombria: "Assim como os anos 1830 foram os mais permissivos na Inglaterra, de loucura sexual e de drogas, eles foram seguidos pela era vitoriana, a mais moralista da história. Por isso, não se preocupe. Já, já, tudo ficará "ótimo". Obrigado".

Após a palestra, Wolfe falou à Folha que o maior legado do "new journalism" foi "elevar a não-ficção a um texto superior ao do romance".

Também revelou o segredo de seus ternos brancos: "Cada um aguenta seis horas, não dá para usar mais tempo". Por isso, Wolfe trouxe três ternos iguais. "Iguais, não. Se bem que só ele nota as diferenças", revela sua mulher, Sheila Wolfe.

E é ela que percebe o que está errado na cena que abre esta reportagem: "A alemã pediu para ele se afastar e não tirou o retrato junto com ele. Ela me disse depois que estava interessada apenas na roupa de Tom, que achou muito bonita. Não era uma fã; não fazia ideia de quem ele era". O que demonstra que nem entrando na cabeça de alguém teremos certeza de saber alguma verdade.

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