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Prosa de Chklóvski remete à concisão absurda de Isaac Babel

Narrador de 'Viagem Sentimental' vagueia pelo caos violento do início do século 20

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ALVARO DA COSTA E SILVA
Rio de Janeiro

Viagem Sentimental

  • Preço R$ 67 (408 págs.)
  • Autoria Viktor Chklóvski
  • Editora 34
  • Tradução Cecília Rosas

Em "A Cartuxa de Parma", Stendhal faz Fabrice Del Dongo perambular, mais perdido que cachorro que caiu do caminhão de mudança, pela batalha de Waterloo, em 1815.

No recém-lançado no Brasil "Viagem Sentimental", o narrador em primeira pessoa também vagueia, mas sabe muito bem onde está: no centro da violência e do caos da Primeira Guerra, das revoluções de fevereiro e outubro de 1917 na Rússia e da guerra civil que estava por vir.

Manifestação de soldados e trabalhadores em 1917, em Petrogrado (atual São Petersburgo) - Reprodução

Teórico literário e um dos fundadores da escola formalista, Viktor Chklóvski (1893-1984) serviu em combate como instrutor de carros blindados e comissário de guerra, e foi ferido com gravidade.

Teve pressa em registrar sua experiência: a primeira parte ("Revolução e Front") apareceu em 1919 e a segunda ("Escrivaninha"), em 1923, quando o autor já estava no exílio.

Tal urgência transparece no estilo de frases curtas e desconcertantes usado para retratar a crueldade das execuções e fuzilamentos no front: "Algum alemão gritou: 'Eu me rendo', caiu de joelho e levantou os braços. Um dos nossos soldados passou correndo, depois deu meia-volta e, mirando no flanco dele, atirou".

Por vezes, a prosa de Chklóvski lembra a concisão absurda de Isaac Babel ou a beleza fria de Ernst Jünger —não à toa, escritores que descreveram cenários e situações semelhantes da mesma época.

Mas "Viagem Sentimental" passa longe de ser só um relatório da brutalidade na guerra (embora cumpra a função). Desde o título (tirado da obra de Laurence Sterne, "Uma Viagem Sentimental pela França e a Itália"), aponta a radicalidade estética que impregnou o ambiente cultural (pintura, artes gráficas, cinema, teatro, literatura, arquitetura) depois da revolução russa.

Na definição do poeta Sérgio Alcides, que assina a orelha, trata-se de um "memorialismo de vanguarda". Ou uma autobiografia assumidamente ficcional, que une relato de invenção, reportagem, depoimento, ensaio, diário de viagem.

Uma leitura fragmentária e arbitrária, com frequentes digressões, não fosse Chklóvski especialista em Sterne e Cervantes, estudados no livro "Sobre a Teoria da Prosa", de 1925.

A vida literária no início da república soviética é abordada a partir do elo com Maksim Górki, que idealizou a publicação de edições de literatura universal em larga escala, academicamente confiáveis e baratas, ao alcance de operários, camponeses e soldados.

"Simplesmente encalharam. Toda a literatura de propaganda virou papel de cigarro", escreve o autor.

Conspirador antibolchevique, Chklóvski viu sua "Viagem Sentimental" entrar para o índice de obras proibidas pelo governo. Não devia ser fácil engolir suas profecias: "Os bolcheviques se mantinham, se mantém e se manterão graças à imperfeição do mecanismo que eles governam".

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