Amanda Acosta não sabia, mas tinha um encontro marcado com Bibi Ferreira.
A partir desta sexta-feira (4), ela dará vida à artista de 95 anos no espetáculo “Bibi, uma Vida em Musical”, em temporada no Teatro Bradesco após passagem elogiada pelo Rio.
Texto e músicas se concentram na biografia da filha do ator Procópio Ferreira (1898-1979) —um recorte que se confunde com a história do teatro brasileiro.
Foi há 23 anos que a atriz paulistana descobriu a veterana carioca; ganhou de uma professora de teatro uma fita com um registro de “Gota d’Água” (1975), musical de Chico Buarque e Paulo Pontes.
Tudo fez sentido, diz. “Eu imaginava as cenas para depois apresentá-las em saraus.”
O arrebatamento também inspirou a jovem criada em Itaquera, na zona leste de São Paulo, a explorar o universo do teatro e dos musicais.
Já são 25 peças, duas novelas e quatro filmes em carreira que começou cedo —Amanda foi vocalista do grupo infantil Trem da Alegria de 1988 a 1993.
Nos anos que se seguiram, houve outras intersecções entre sua trajetória e a da dama do teatro brasileiro.
Em 2007, Amanda protagonizou a mais recente montagem de “My Fair Lady”, musical que, em 1962, Bibi interpretou com Paulo Autran (1922-2007).
“Nessa época, encontrei a Bibi em um camarim após um show dela. Ela pegou nas minhas mãos, olhou nos meus olhos e disse: ‘Isso é trabalho, minha filha. Muito trabalho’.”
Incessantes esforços marcaram a carreira de Bibi, que, aos 22 anos, já reunia em sua própria companhia nomes como Cacilda Becker (1921-1969) e Maria Della Costa (1926-2015).
É tudo revisitado no espetáculo, desde os 19 anos até as épocas recentes, quando a diva alternou-se entre shows dedicados a nomes como Édith Piaf (1915-1963) e Frank Sinatra (1915-1998) e a direção de peças.
“Estava tenso, sim, sobre o que ela acharia a respeito da maneira como contei a história dela; além de ser a maior estrela do Brasil, é uma grande amiga, e muito crítica”, diz o diretor Tadeu Aguiar, agora aliviado: Bibi gostou.
Segundo ele, que no musical dirige outros 17 atores, como Leo Bahia e Luísa Vianna, a escolha pela protagonista do musical priorizou três critérios: caráter, aptidão e qualidade.
“Ela tem o tipo físico perfeito para fazer a Bibi: é baixinha, elétrica, tem vivacidade e temperamento fortes. É brava e estuda sem parar.”
MENOS METAFÍSICA, MAIS LABUTA
Trabalho, trabalho, trabalho, sempre ele: “O artista jovem tem uma vaidade, mas é preciso aprender com Bibi que teatro não é o tapete vermelho; teatro é varrer o palco”.
Amanda, que adotou como um mantra o que Bibi chama de “sacralidade do ofício”, viu a convivência ficar mais frequente após o episódio do camarim: viram peças uma da outra, homenageou-a em um show.
Ambas calçam 35 e começaram cedo; Bibi aos 24 dias de vida, quando substituiu uma boneca de pano em uma peça; Amanda, um pouco mais tarde.
“Sempre cantei, dancei, interpretei. No quintal de casa, mesmo; juntava gente.”
Juntava mesmo, e uma dessas pessoas era um vizinho que trabalhava na televisão. Ele sugeriu ao pai dela levar a garota, aos 4 anos e meio, para se apresentar —ao vivo— no programa do Raul Gil.
Ela interpretou “Ursinho Pimpão”, da banda A Turma do Balão Mágico. Do episódio, duas lembranças dão timbre ao inconsciente da artista:
“Meu pai me fez uma roupinha com lantejoulas, e me lembro de gostar daquele brilho. Lembro também de chorar no palco porque errei a letra. Desde cedo me cobro demais.”
A dois dias da estreia em São Paulo, a artista parece embebida da personagem, e chega a ser difícil separar atriz e ídolo na sua percepção sobre o fazer cênico:
“O teatro é sagrado, um momento em que se resolve questões de vida. É a salvação da humanidade.”
Mas uma hora acaba a temporada; e aí, o que vem?
“Retomar meu show [de música popular], dirigir uma peça, estudar Carmem Miranda, interpretar um clássico —“um Ibsen, um Shakespeare”— ou gravar um disco com canções do Juninho Bill.”
Ele mesmo, o ex-colega do Trem da Alegria, de quem é amiga desde os tempos de infância trabalhadora.
“Um dos grandes compositores brasileiros”, afirma, e cantarola trecho de uma canção chamada “Mudo”.
Prestes a completar 40 anos, Amanda tem expectativas de chegar aos 95 trabalhando, como Bibi?
“Só espero ficar em paz comigo, e, logo, estar em paz com o mundo. O outro é muito importante para mim.” Longa pausa. “E o outro me machuca muito também.”
BIBI, UMA VIDA EM MUSICAL
Teatro Bradesco - Shopping Bourbon - r. Palestra Itália, 500. Qui., 19h, sex. e sáb., 21h, e dom., 20h, até 1º/7. Ingr.: R$ 65 a R$ 150 (uhuu.com). 10 anos.
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