Taylor Swift ressurge na turnê 'Reputation' como uma rainha gélida

Cantora tenta encanar uma mulher feroz e controlada

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Jon Caramanica
Glendale (EUA) | The New York Times

Mais ou menos na metade do show de Taylor Swift no estádio da Universidade de Phoenix, em Glendale, enquanto ela cantava "Shake It Off" em um dos palcos menores perto do centro do campo, uma dupla de cobras infláveis gigantescas se ergueu do chão.

Enquanto ela cantava despedidas sarcásticas, os adereços se moviam lá por perto, não exatamente ameaçadores. Ao longo do show de abertura da turnê "Reputation", na semana passada, diversas cobras estavam visíveis.

Em "King of My Heart", uma canção de amor de melancolia incomum, elas apareciam no telão, entrelaçadas em um abraço apertado. No começo do show, surgiram em uma plataforma no meio do palco.

Uma das engenhocas que Swift usou para cruzar o ar de um lado para outro do estádio tinha forma de cobra.

Ela cantou "Look What You Made Me Do", um hino animadinho sobre meninas malvadas, segurando o microfone com a ajuda de um suporte em forma de cobra. Nas barracas de mercadorias, havia camisetas verde-oliva à venda com desenhos de cobras, por US$ 50 (R$ 184).

Desde que lançou "Reputation", em novembro, a cobra parece ter se tornado o animal com que Swift mais se identifica, mas também parece simbolizar os obstáculos que se interpõem em seu caminho.

Swift adotou a cobra como símbolo depois de Kim Kardashian tê-la usado contra ela em 2016, no pico da briga entre Swift e o marido de Kardashian, Kanye West.

Kardashian a retratou como criatura dúplice, e a imagem colou.

Bem, pelo menos na mente de Swift. O compromisso dela para com a cobra é intenso —e um tanto quixotesco.

Perto do fim do show, ela falou sobre as cobras na sala, dizendo à plateia que a briga havia causado "alguns momentos bem ruins", mas que ela havia saído dela mais forte.

Foi essa a versão de si que a artista escolheu retratar no show —resistente, feroz, gelidamente controlada. Mas para Swift, 28, que ao longo dos últimos dez anos esteve entre as mais calorosas das estrelas pop, interpretar uma rainha gélida, uma princesa da dor, uma guerreira de ferro não parece natural.

E por isso o espetáculo, em alguns momentos —mas não muitos—, parecia uma espécie de cabo de guerra entre a nova e a velha Taylor.

Se Kardashian buscou redefinir a narrativa pública sobre Swift, esta se encarregou de concluir a tarefa, basicamente estrangulando seu velho eu em troca de uma personagem menos vulnerável.

Por mais de duas horas, ela se apresentou com uma espécie de intensidade industrial e toques góticos. Canções como "Ready For It?", "Don't Blame Me" e "End Game" ganharam interpretações intensas. Os figurinos usados por Swift eram escuros, reluzentes e imperiais. Às vezes ela quebrava o clima com um sorriso rápido, mas em geral se manteve fiel ao conceito.

Isso criou um show repleto de drama mas nem sempre dramático, e em geral desprovido das coisas em que Swift costuma ser ótima. Seu rosto é o que tem de mais expressivo, e ela é capaz de criar intimidade com alguns poucos gestos. Em um show para estádio, isso pode ser desafiador. Dançar não é o que Swift faz com mais desenvoltura, mas a estrutura do espetáculo exigia movimento.

Houve momentos em que evocar os momentos amargos dos últimos anos se mostrou eficiente.

Em "Look What You Made Me Do", com a crítica ao "palco torto" de West (na turnê "Saint Pablo"), os dançarinos se emaranharam em uma plataforma de tamanho médio, que se inclinava de um lado para o outro. O verso "desculpe, a velha Taylor não pode atender agora" foi cantado em vídeo por Tiffany Haddish.

Ainda que o clima dominante na apresentação tenha sido conflituoso e ranzinza —mesmo os dançarinos estavam vestidos para uma guerra—, o clima que dominava a música era mais suave (especialmente no começo da noite, com "Gorgeous, "Style", "Love Story", "You Belong With Me").

A tensão no show é semelhante à que existe no álbum "Reputation" --um ótimo disco, mas talvez não um ótimo disco de Taylor Swift.

O trabalho marca sua adesão plena à estética pop contemporânea, ao final de uma marcha lenta e deliberada que ela começou como estrela country adolescente.

O álbum já chegou ao seu terceiro disco de platina, mas ainda assim é o disco de menor sucesso comercial em toda a carreira de Swift —e aquele que conta com menos hits inesquecíveis.

"Reputation" fala de contra-atacar antagonistas, mas também de buscar, e quem sabe encontrar, o amor em meio a momentos severos de dúvida. Quando Swift cede a esse sentimento —como em "New Year's Day" e "Delicate"—, ela brilha.

Por isso, causou confusão que Swift tivesse escolhido um terceiro caminho para fechar o show: a petulância.

Primeiro veio "We Are Never Ever Getting Back Together", um exuberante hit de "Red" que a mostra em sua melhor forma, usando o dedo para sinalizar que não, e seguindo o caminho da maturidade emocional.

Mas a canção colidiu com "This Is Why We Can't Have Nice Things", uma das composições mais provocadoras de "Reputation", em que ela de novo usa o dedo, no caso apontando-o contra West em tom moralista.

Em dado momento, todos os artistas presentes no palco estavam trocando risadinhas conspiratórias. Alguns dos dançarinos —e Swift— estavam molhados devido à fonte montada no palco.

Foi um momento malvadinho, alegre e relaxado. Depois de uma apresentação fortemente blindada, isso talvez tenha sido uma indicação de que Swift enfim está pronta para abandonar a casca grossa.

Tradução de Paulo Migliacci

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