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Trilogia pós-apocalíptica, HQ 'Sem Volta' chega ao país em coletânea

Americano Charles Burns é um dos autores mais influentes e premiados do mundo

Trecho de "Sem Volta", HQ de Charles Burns, que sai pela Companhia das Letras, reunindo trilogia (X’ed Out, The Hive e Sugar Skull). Página dividida em 9 quadrinhos que mostram desenhos aparentemente desconexos; a anatomia dos músculos de uma face, um embrião, uma santa, uma pessoa amarrada com cordas,d e costas, um vaso de flores, um corte de rosto de mulher que mostra o cérebro, a reprodução de uma foto com um homem e uma criança, um casal nu que lembra pela pose uma estátua clássica, o rosto de uma personagem meio gente, meio fera
Trecho de 'Sem Volta', HQ de Charles Burns - Divulgação
RAMON VITRAL
São Paulo

As histórias do quadrinista americano Charles Burns são protagonizadas por jovens deformados, criaturas mutantes e aberrações da natureza em ambientações fúnebres. O recém-publicado "Sem Volta" (ed. Companhia das Letras) não foge ao padrão.

Coletânea de uma trilogia lançada nos Estados Unidos entre 2010 e 2014, o álbum narra a jornada do jovem artista Doug entre performances poéticas, uma vida romântica conturbada e seu empenho em sobreviver em um mundo pós-apocalíptico habitado por lagartos humanoides que operam uma fábrica de mulheres parideiras dos ovos que alimentam a população.

"Eu sempre digo que os meus quadrinhos são histórias de amor", afirma Burns, de sua casa na Filadélfia, em entrevista à Folha. O riso contido ao final da declaração tem o tom sombrio que remete às obras que fizeram do artista um dos autores de histórias em quadrinhos mais influentes e premiados do mundo.

Burns, hoje aos 62 anos, idealizou "Sem Volta" como um retrato de sua vida como fã de quadrinhos e música punk no final da década de 1970, mas a trama tomou outro rumo.

O novo direcionamento, diz, surgiu após ele concluir que estava repetindo ideias de sua obra-prima, "Black Hole" (ed. DarkSide Books).

Publicado em 12 fascículos, entre 1994 e 2005, e posteriormente reunido em um único volume de 368 páginas relançado no Brasil em 2017, "Black Hole" deu ao autor parte dos principais troféus da indústria americana de quadrinhos: um Eisner, oito Harvey e um Ignatz. Em 2007, ele levou o Prêmio Obras Essenciais no tradicional Festival de Angoulême, na França.

Ambientado no mesmo subúrbio de Seattle no qual Burns nasceu e cresceu, "Black Hole" narra a proliferação de mutações grotescas surgidas nos adolescentes locais em seguida às primeiras experiências sexuais desses jovens.

Apesar de sua carreira iniciada ainda nos anos 1970, Burns viu sua arte em preto e branco de alto contraste passar a ser reconhecida internacionalmente e disputada para estampar embalagens de marcas de refrigerante e capas de revistas logo após os primeiros números do quadrinho.

Os direitos de adaptação para o cinema foram comprados recentemente pela produtora do ator americano Brad Pitt.

"Sem Volta" é o projeto mais longo e pessoal do autor em seguida ao seu clássico.

Apesar do diálogo entre os temas abordados e da arte característica do quadrinista, ele se reinventa utilizando cores e estabelecendo uma distinção entre a realidade banal do protagonista Doug e o universo paralelo fantástico no qual ele também está inserindo. Cabe ao leitor encontrar o elo.

"Existem vários fragmentos de ideias que foram se construindo aos poucos, não houve um momento exato em que a ideia surgiu formada na minha cabeça", conta o artista sobre a concepção do enredo de sua mais recente HQ. Há anotações relacionadas ao projeto feitas há mais de 40 anos.

À medida que a jornada de Doug avança em suas duas realidades paralelas, vão ficando mais claras as intenções e os temas tratados por Burns.

Decisões tomadas por ele na juventude e culpas remoídas ao longo de décadas são determinantes para sua sobrevivência no universo hostil dos homens-lagartos.

Nesses trechos sobrenaturais e mais aventurescos da trama, o autor dá ao seu protagonista feição caricata e um topete semelhante ao do jornalista Tintim, protagonista de quadrinhos do belga Hergé (1907-83), uma de suas principais influências estéticas.

O trabalho de Burns sofreu forte influência da leitura das aventuras do belga Tintim durante a sua infância e de quadrinhos americanos antigos pós-Segunda Guerra. "Talvez não o estilo, mas as histórias e a atmosfera com certeza impactaram a minha formação."

Sem Volta

  • Preço R$ 69,90 (176 páginas)
  • Autor Charles Burns
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Diego Gerlach

Trabalhos inaugurais do artista também serão traduzidos

Com o lançamento de "Sem Volta" e o retorno de "Black Hole" às livrarias nacionais após dez anos de sua primeira publicação no país, os leitores brasileiros terão disponíveis trabalhos mais recentes e elogiados de Charles Burns.

Mas o catálogo do autor em português deve crescer nos próximos meses, com o lançamento de publicações inéditas, do início de sua carreira.

Para o segundo semestre de 2018 está prevista "Big Baby", publicada originalmente em 1986. A HQ mostra as aventuras de um garoto em sua vizinhança macabra e explicita a influência de gibis de terror e ficção científica B dos anos 1950 no imaginário de Burns.

Para 2019 estão previstos os lançamentos de "El Borbah" e "Skin Deep". Lançado em 1983, o primeiro é protagonizado por um detetive particular que apura casos misteriosos sempre utilizando vestimentas de lutadores de luta livre.

Já a segunda obra, de 1992, é uma coletânea de contos sobrenaturais que têm como personagem principal um rapaz com trejeitos de cachorro após receber o transplante de um coração de um cão.

Burns despontou para o mundo dos quadrinhos ao ser convidado para publicar em 1981 na lendária revista RAW, editada pelo quadrinista Art Spiegelman, autor do clássico "Maus" (Companhia das Letras), e por sua mulher, Françoise Mouly, atual editora de arte da revista New Yorker.

Recém-saído da faculdade e experimentando com HQs que mesclavam ilustrações e fotos, Burns estreou na terceira edição com nomes célebres como Lynda Barry, Richard McGuire, Alan Moore e Chris Ware.

Segundo Burns, a baixa qualidade da impressão daquela publicação marcou o desenvolvimento de sua estética pessoal. "Eu via reimpressões de quadrinhos antigos baratos e em preto e branco e notava um certo estilo que desde cedo tentei emular."

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