É inegável o fascínio que o nazismo exerce sobre o imaginário ocidental, 73 anos após o ditador Adolf Hitler se matar num bunker sobre o qual hoje fica um prosaico estacionamento no centro de Berlim.
Uma busca rápida na internet indica mais de 20 mil títulos em inglês sobre Hitler, mais de 4.000 sobre o Terceiro Reich por ele fundado em 1933, isso para não falar nas mais de 40 mil obras sobre a Segunda Guerra Mundial.
Assim, um lançamento como "Ladrões de Livros", do sueco Anders Rydell, causa certo fastio a quem conhece o tema.
Que os nazistas pilharam obras de arte na Europa toda, até Hollywood já descobriu. Rydell se propõe, contudo, a abordar o destino de livros.
Seu ponto de partida é interessante. Se é sabido que nazistas começaram seu regime com fogueiras de livros e destruíram bibliotecas inteiras daquilo que consideravam ser degenerado, Rydell chama a atenção para a igualmente sistemática aquisição e catalogação de obras para compreender melhor o "inimigo" (judeus, comunistas, maçons) e absorver seu conhecimento.
É um enfoque com apelo, já que, ao fim, a privação da memória fixada pela escrita é uma forma sofisticada de aniquilação de grupos sociais.
Em estilo jornalístico, fiel a seu ofício de origem, mas banal no uso de descrições inúteis, o autor começa e termina bem, contando a jornada de um livrinho em especial.
Esquematicamente, cada capítulo examina uma biblioteca atual em que obras que foram roubadas de judeus, mas não só deles, foram parar.
Mostra o trabalho de Sísifo de bibliotecários em tentar tracejar a origem de livros por meio de marcações, ex- líbris, números ou nomes. Discute a quase impossibilidade de devolução do que é descoberto a descendentes vivos.
Aqui e ali, informações pouco divulgadas são iluminadas. É curioso ver como as bibliotecas das lojas maçônicas alimentaram departamentos de ocultismo da temida SS —como a cultura popular já tratou bastante, de fato os nazistas eram obcecados pelo tema.
A caça às bruxas da Idade Média se tornou, nas mãos do líder da SS, Heinrich Himmler, argumento para defender supostos ideais germânicos pré-cristãos contra o poderio da Igreja Católica na Alemanha.
A ciência da coisa inexiste, mas o rigor de documentação nazista legou a pesquisadores uma base de dados antes inexistente sobre a Inquisição no norte europeu.
Há boas histórias. O destino da biblioteca dos exilados russos em Paris, onde o próprio Vladimir Lênin trabalhou, é de arrepiar. Suas obras foram confiscadas pelos nazistas só para acabarem roubadas pelos soviéticos e terem o mesmo fim de tantos livros e pessoas citadas por Rydell, sendo incineradas em Moscou.
O problema é que o objeto do livro se dilui na narrativa. Capítulos inteiros se debruçam na organização do Estado nazista e seus personagens, algo que supostamente quem chega à obra já conhece.
Considerando que o leitor nada saiba sobre o assunto, aí o defeito reside na falta de originalidade na exposição dos fatos e prosa pouco fluida —fora a edição cometer um erro incômodo ao usar uma incorreta grafia báltica no sobrenome do ideólogo nazista Alfred Rosenberg, figura central da história.
A impressão geral, ao fim, é a de que Rydell, para melhor efeito, poderia ter feito uma grande reportagem ou um livro com metade do tamanho e da massa de informações.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.