Capacidade do Teatro do Ornitorrinco de se comunicar sempre causou

'Nem Princesas Nem Escravas' é um discurso sobre a 'sociedade na atualidade'

Chistiane Tricerri

O Teatro do Ornitorrinco sempre causou. Não apenas por sua irreverência, ou rigor teatral, mas principalmente por sua capacidade de comunicação com o público.

Em "Nem Princesas Nem Escravas", damos continuidade a isso: teatro com público, para o público. Lotamos o teatro, com público heterogêneo, e a preços populares (uma posição do grupo, sempre).

Nos comunicamos com uma plateia de adolescentes, senhoras, gays, drags, héteros e feministas. Não fazemos teatro para guetos. Não fazemos teatro para amigos.

Em tempos de palavras sem significados, sem aprofundamento ou conhecimento de causas, somos rigorosos, libertários, e não nos encaixamos em bíblias ditadas por quem se autodenomina mais isso ou mais aquilo, mais correto ou incorreto.

"Nem Princesas Nem Escravas", do renomado dramaturgo Humberto Robles (ativista em causas LGBTI e causas contra o feminicídio), é antes de tudo uma crítica ao machismo, à homofobia e ao patrulhamento de ideologias. Sempre com grande sarcasmo, humor e causticidade.

Sua obra só poderia ser entendida como o contrário disso por pessoas desprovidas de inteligência. A comédia passa pelo crivo da inteligência, pelo cérebro, para alcançar outras partes do corpo.

"Nem Princesas Nem Escravas" não é "um discurso sobre a mulher na atualidade", como diz crítica publicada nesta Folha em 27/6. Mas, efetivamente, sobre a "sociedade na atualidade", o comportamento do "homem" do século 21: homem na sua acepção ampla e, portanto, neutra, síntese da espécie.

Quanto ao cabaré, é um gênero teatral. Não há pretensão de se montar um cabaré no palco de um teatro. É um espetáculo teatral cujo o gênero é o cabaré.

Ao entrar no teatro, é preciso estar disposto a confrontar-se com o "espelho de Dioniso", caso contrário sua leitura será superficial, cairá na "luz que fica todo o tempo acesa sobre a plateia", lerá na ironia de cada fala ou gesto mais explícito um "metaforismo barato e sexista" e outras pérolas linguísticas derivadas do vocabulário dos modismos contemporâneos.

O título "Nem Princesas Nem Escravas", por si só, já desmonta esses estereótipos tão caros aos "pseudos-ismos de todos os gêneros". Felizmente, o público é a exceção majoritária à minoria que reza pela cartilha dos "ismos" e tem reagido com riso, gozo e regozijo!

E aplaudido várias vezes em cena aberta, e ao final, de pé, com entusiasmo (não aquele "de pé" para ir embora) e posado para selfies, desopilado o fígado e saído mais leve e lúcido em relação a si mesmo e ao outro, às diferenças e às intolerâncias.

Nosso teatro não quer o poder, mas liberdade, inteireza e "emphoderamento"! Em um mundo de Égalité, Liberté e Visibilité, vale tudo. Menos, infelizmente, olhar com olhos livres de sermões e senões. E como dizia Paul Valéry: "Devemos sorrir dos que se levam a sério".

Christiane Tricerri
Atriz, diretora, produtora teatral e integrante do Teatro do Ornitorrinco desde 1985 
 


Nem Princesas Nem Escravas

Teatro Sérgio Cardoso, r. Rui Barbosa, 153, São Paulo. Sáb., 19h30, dom., 16h, seg., 20h. Até 9/7. Ing.: R$ 30 (ingressorapido.com.br). 14 anos

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