CineOP apostou em geleia geral como atalho para a radicalidade do presente

A 13ª Mostra de Cinema de Ouro Preto teve Vanguarda Tropical como tema

'O Atalante', de Jean Vigo, cuja versão restaurada foi exibida na Mostra de Cinema de Ouro Preto - Divulgação
Inácio Araujo

O tema “Vanguarda Tropical”, que balizou a 13ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), não era simples: propunha um retorno a 1968, ao que veio logo antes e ao que se seguiu, em termos de cinema e artes no Brasil.

Pois as várias artes se conectam naquele momento, umas são interlocutoras frequentes das outras. Não por acaso uma parte importante dos filmes apresentados foi feita por não-cineastas, caso de “O Demiurgo” (1972), que Jorge Mautner fez no exílio, e onde outros artistas exilados comparecem, filmes de Hélio Oiticica e Iole Freitas, entre outros.

O primeiro debate, na sexta-feira, deu o tom. À mesa, os três convidados abordaram o tema de formas complementares. Celso Favaretto (USP) centrou sua intervenção no conceito de ambivalência, tal como pensado por Oiticica, e que se se estende à ideia do crítico Mario Pedrosa de que o Brasil, por sua história, está destinado a avançar por saltos —e não linearmente— num caminho sempre vanguardista.

Assim, pulamos da antropofagia de Oswald de Andrade aos concretos, daí a Oiticica e os neoconcretos, a Zé Celso e o Oficina de “O Rei da Vela”, a “Terra em Transe” e a “O Bandido da Luz Vermelha”, de Glauber a Sganzerla, de Gil e Caetano a José Agripino de Paula.

Todos (e outros mais) formam na visão de Favaretto, um todo que desemboca na cultura e na arte como resíduos de resistência que começam após 1964 e se intensificam após o Ato Institucional nº 5.

João Luiz Vieira (UFF) abordou a questão a partir da transformação do cinema brasileiro no momento de intensificação da censura e da ditadura, isto é, daquilo que vê como uma arte que se cria a partir da derrota da ilusão da esquerda (cultural ou não) e que supõe uma mudança de rumos numa arte que deixa de ser ou didática ou de protesto para pensar o que são a arte e a cultura.

A Ivana Bentes (UFRJ), que fechou o debate, interessa sobretudo a ponte possível entre 1968 e 2018. Isto é, as repercurssões que possam existir de um momento sobre o outro, levando em conta as transformações tecnológicas, culturais e políticas entre esses dois momentos. Mais do que deter-se no momento tropical do tema, digamos assim, interessa-lhe o possível surgimento de uma nova vanguarda, que para ela deriva em grande medida do movimento dos estudantes de 2013 (por tarifas livres nos ônibus), de onde surgem fenômenos de transmissões ao vivo, como as do grupo mídia ninja, e outras formas de captação do real que transgridem a linguagem dominante servindo-se de mídias contemporâneas.

O momento mais agudo desta CineOP, no entanto, talvez tenha sido a exibição, à noite, de “Dawson City: O Tempo Congelado” (2016), do artista e cineasta Bill Morrison. No sábado pela manhã ele comentou seu trabalho. “Dawson City” aborda a estranha história de 533 filmes mudos tidos como perdidos e encontrados enterrados 50 anos depois, numa piscina subaquática no território de Yukon. A partir desses pequenos filmes, dos anos 10 a 20 do século passado, ele narra a história da corrida do ouro na cidade canadense de Dawson City.

Um show de Tom Zé no sábado não alterou o caráter da mostra, voltada à vanguarda e ao encontro entre linguagens diversas. Como os trabalhos experimentais deram o tom do evento, na véspera do encerramento foi apresentada a versão restaurada do clássico “Atalante” (1934), para muitos obra maior de Jean Vigo e do cinema francês. Final à altura de uma edição que apostou na geleia geral de que falava Décio Pignatari como atalho para uma radicalidade do presente.


 

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