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Classificar livro do filósofo inglês Roger Scruton como 'panfletário' é desleal

O que o autor pretendeu fazer, e fez com maestria, foi criticar a tradição filosófica da new left

Luiz Felipe Panelli Éric Balbinus

Pablo Ortellado publicou, nesta Folha em 25/6, uma crítica ao livro do filósofo inglês Roger Scruton, "Tolos, Fraudes e Militantes - Pensadores da Nova Esquerda" (ed. Record). O principal argumento dele é que Scruton faz uma análise rasa dos autores de esquerda, ignorando pontos principais de suas obras.

Ortellado ainda afirma que o resultado seria inevitável porque não é possível analisar pensadores tão profundos em tão pouco espaço. Por fim, concedeu ao livro apenas uma das cinco estrelas disponíveis no ranking da Folha.

Ortellado tem parte de razão quando afirma que é impossível analisar exaustivamente tantos autores em espaço exíguo. Apenas um dos pensadores analisados —Habermas— requereria uma obra exclusiva e detalhada.

O escritor Roger Scruton - Andy Hall/Getty Images

Entretanto, apesar de reconhecermos razão a Ortellado neste ponto, cabe perguntar se isso desmerece a obra.

Um livro é bem sucedido na medida em que consegue cumprir sua missão. Assim, um livro infantil é bem sucedido se consegue auxiliar a educação de crianças e despertar nelas o interesse pela leitura.

Um livro de filosofia, por sua vez, deve trazer alguma contribuição ao campo das ideias, inserindo-se em uma tradição filosófica.

Scruton, porém, não se propõe a fazer um livro de filosofia; mas a estabelecer uma crítica à escola de pensamento conhecida como new left, formada no século 20 com um forte elemento de crítica aos modelos de organização social tradicionais.

Para fazer isso, capta as semelhanças de pensadores que, de fato, têm linhas diferentes, e revela que suas ideias têm em comum um conjunto de crenças.

Tomemos como exemplo o já citado Jürgen Habermas e o americano Ronald Dworkin. O primeiro é um filósofo alemão cujos trabalhos focam a questão da comunicação. O segundo é um jusfilósofo que se propõe a tratar de temas sensíveis às liberdades públicas. De fato, em um primeiro momento, parece que eles não têm muito em comum. Ambos, porém, se inserem na tradição da new left de propor uma ressignificação de conceitos à luz de um modelo de sociedade que entendem como mais adequado.

Não há absolutamente nada de criticável, eticamente, nas obras de Dworkin e Habermas. Aliás, a obra do segundo tem o potencial de se tornar uma das mais relevantes para o século 21, e não sem motivo. Porém, é inegável que eles se inserem em uma tradição —a new left— e, portanto, têm características comuns.

O que Scruton pretendeu fazer —e fez com maestria— foi criticar a tradição filosófica da new left. Para isso, é desnecessário adentrar profundamente a obra de cada um dos pensadores dessa corrente; basta analisar e criticar os elementos que os unem e identificar a forma como esses elementos se manifestam em suas obras.

"Pensadores da Nova Esquerda" está longe de ser um grande livro de filosofia —até porque nunca se propôs a sê-lo. Classificá-lo, porém, com uma única e mísera estrela e adjetivá-lo como "panfletário" é desleal. Teria Ortellado o mesmo rigor com livros de autores de esquerda que criticam o liberalismo e o conservadorismo?

É preciso ter alguma isenção na análise, sob pena de não termos uma crítica, mas sim um "panfleto polemista movido por diferenças políticas".

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