Criptomoedas inspiram arte conceitual do nova-iorquino Kevis Abosch

Artista transforma tecnologia das criptomoedas em obras, carimbando endereços de blockchain no sangue e vendendo Lamborghini virtual neon

Sophie Haigney
The New York Times

Kevin Abosch queria se transformar em moeda.Por quê? Porque vendeu uma foto de uma batata.

É melhor voltar atrás um pouquinho. Abosh, 48, é um artista conceitual e fotógrafo irlandês que vive em Nova York. Ele também se interessa pela tecnologia blockchain, conhecida por seu uso em moedas virtuais como o bitcoin e o ether.

A estranha cultura que cerca essas criptomoedas está ganhando cada vez mais  espaço na arte, em trabalhos que exploram valor, descentralização e o agito que existe em torno do dinheiro digital.

O que nos leva a "Potato#345", uma foto que conquistou manchetes em todo o mundo depois que Abosch anunciou que ela havia sido adquirida por € 1milhão, cerca de R$ 4,37 milhões, por um homem de negócios europeu, em 2015.

Por um lado, a atenção gerada pela venda foi empolgante, diz Bosch. "Por outro, o foco muda do valor artístico para o valor monetário da obra e, para a maioria dos artistas, a arte é uma extensão do artista, e assim você começa a se sentir como uma mercadoria", afirma o artista.

"Para controlar essa sensação, em alguma medida, comecei a pensar em mim mesmo como uma moeda". Abosch se voltou ao blockchain, que essencialmente registra uma série de transações em uma grande rede aberta de computadores.

O blockchain Ethereum permite que programadores criem meios de troca virtuais que podem ser transferidas entre usuários. Eles nem sempre são exatamente moedas, mas algo parecido. Abosch criou 10 milhões de unidades de um desses meios de troca, em janeiro.

"Mas eu não queria só fazer 10 milhões de peças de arte virtual", diz. "Queria que estivessem conectadas ao meu corpo". Por isso, ele solicitou a extração de seis frascos de sangue de seu organismo. Carimbou em sangue o endereço de contrato —uma longa sequência de números e letras que indicam onde sua "moeda" pessoal vive no blockchain— em 100 pedaços de papel.

E chamou o projeto de "IAMA Coin" [eu sou uma moeda]. Abosch diz acreditar que conectou com sucesso o seu corpo físico a obras virtuais, de tal forma que ele agora pode ver a arte como "pedaços de mim".

Michael Connor, diretor artístico do centro Rhizome, associado ao New Museum de Nova York, que tem por objetivo fomentar "a arte e a cultura digitais", disse ter visto uma grande onda de projetos relacionados à tecnologia das criptomoedas, nos últimos 12 meses.

"O blockchain parece ter algum potencial de oferecer uma lógica econômica diferente daquela que estrutura a sociedade, e com isso muitos artistas passaram a se interessar pelas implicações sociais do blockchain e das criptomoedas", ele disse.

As obras de Abosch —e a maneira pela qual são compradas e vendidas— capturam parte do estranho etos do mundo das criptomoedas. Um ex-executivo de uma empresa de tecnologia recentemente pagou mais que o preço de um Lamborghini real por uma escultura de neon feita por Abosch com um endereço de blockchain que simboliza o Lamborghini.

A peça, "YELLOW LAMBO" (2018), gerou manchetes, mais ou menos como a foto da batata vendida anteriormente por Abosch. (O casamento entre arte conceitual, capitalismo e a internet é praticamente uma garantia de manchetes do tipo "como isso é possível?".)

A peça é uma referência a uma piada, meio séria, que circula nas comunidades de criptomoedas, sobre o uso dos lucros nas transações com moedas virtuais para comprar um Lamborghini. "Eu me acostumei a ver #lambo como uma declaração de sucesso e identidade, e, como sempre penso em termos de como destilar emoções em torno de valor, quis explorar esse fato", disse Abosch.

Ele criou um novo meio de troca, chamado YLAMBO, e transformou seu endereço em uma escultura física em neon amarelo. A escultura foi em seguida vendida por US$ 400 mil, cerca de R$ 1,4 milhões, em uma feira de arte em San Francisco.

O comprador foi Michael Jackson, antigo vice-presidente de operações do Skype. Toda a meta-esquisitice que existe em torno da compra de obras de arte tem posição central nas questões que Abosch quer explorar."

Você conversa com pessoas do mundo das criptomoedas que colocam milhões de dólares em moedas lastreadas por nada, mas que não compreendem como é que uma obra de arte pode ter valor", ele disse.

"Em seguida você conversa com pessoas do mundo da arte que não compreendem por que alguém investiria dinheiro em uma forma de arte sem manifestação física. É nesse ponto que as coisas começam a me entusiasmar".Ele tem um pé no mundo da arte e um pé no mundo da tecnologia, e conduz experiências envolvendo sua interseção.

Abosch vem usando uma touca empregadas para registrar eletroencefalogramas, enquanto trabalha, para medir qualquer atividade elétrica em seu cérebro. Ele escreveu em email que isso é "uma tentativa de compreender em que medida o ego está envolvido, como ele afeta o trabalho, especialmente quando estou fotografando pessoas".

E acrescentou que "tenho a sensação de que meu ego não está engajado, quando aperto o botão do obturador, mas isso pode ser só teoria". Parte do trabalho de Abosch não tem qualquer presença visual. "Forever Rose", ainda que inspirado por uma fotografia de uma flor, só existe na forma de um único bloco de blockchain, vendido a 10 pessoas em fevereiro por US$ 1 milhão, R$ 3,7 milhões.

Abosch diz que essa lhe parece "a forma mais pura de arte - consiste apenas da ideia, sem a bagagem de um receptáculo físico". Ele comenta, brincando, que "se às vezes alguém rejeita meu trabalho, sugiro que a pessoa talvez tenha uma relação insalubre com o mundo material".

Há quem veja projetos desse tipo como simples brincadeiras. Mas o mundo da arte começa a levá-los a sério. Uma extensão do projeto "IAMA Coin" de Abosch, chamada "Personal Effects", foi exibida recentemente pelo Museu Estatal Hermitage, em São Petersburgo, Rússia.

E em uma conferência recente do centro Rhizome, "Seven on Seven", foram mostrados três projetos que usam a tecnologia das criptomoedas, disse Connor. Em um deles, dois artistas brincam com a ideia de carregar a religião em uma rede de computadores, em forma de blockchain.

"Creio que seja um campo muito esquisito, no momento, e a arte está evoluindo muito rápido em resposta a ele", disse Connor. Abosh, enquanto isso, está transformando Manhattan em uma criptomoeda.

Para um projeto que será mostrado em breve, ele criou 10 mil unidades de criptomoeda para cada rua de Manhattan, e depois imprimiu os endereços de contato em um mapa de 1,80 metro de altura. Este mês, colecionadores poderão comprar as moedas, ou obras de arte virtuais, por alguns dólares por peça. Novos projetos estão por vir."O que quer que isso seja", disse Abosch, "estou bem no meio da coisa". 

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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