Em 2000, antes de se tornar um conhecido e premiado apresentador de TV, Anthony Bourdain, morto nesta sexta (8), concedeu uma entrevista à Folha, na qual revelou porque é odiado por vegetarianos, seu restaurante preferido e um "maravilhoso" em que comeu no Brasil.
Confira abaixo a entrevista na íntegra.
O cozinheiro Anthony Bourdain, chef do restaurante Les Halles, na Park Avenue de Nova York, é odiado pelos colegas e amado pelos leitores.
Seu best seller, "Kitchen Confidential" ("Cozinha Confidencial"), ficou durante o último semestre inteiro na lista dos mais vendidos do jornal The New York Times.
Nele, e em artigos publicados no jornal e na prestigiosa revista The New Yorker, Bourdain "entrega o ouro": diz como, quando e onde se reaproveita comida nos restaurantes, qual o dia em que os produtos estão velhos, por que nunca se deve pedir nada com "sauce hollandaise" nem peixes e frutos do mar às segundas.
Não, o americano filho de franceses não poupa nem o próprio negócio. Bourdain cozinha há 25 anos. Filho de pais ricos, já foi viciado em heroína.
Além de "Kitchen Confidencial", é autor de dois romances e dono de um texto elegante, que ganha muito quando ele descreve o balé que ocorre nos bastidores da cozinha. Seu steak é o melhor da cidade. Leia a seguir entrevista concedida por Bourdain à Folha.
Folha - Você é o anticristo entre os restaurateurs de Nova York, o pária entre seus pares...
Anthony Bourdain - Sabe que até nem tanto assim? Nunca comi e bebi tanto de graça desde que comecei a falar mal de todo o mundo. Quem me odeia mesmo são os críticos gastronômicos e os vegetarianos. Não fui nada gentil com estes, não entendo esta opção nem penso que seja muito inteligente deixar de comer carne.
Folha - Por quê?
Bourdain - Para um chef, um vegetariano é como a pessoa que pede a um pintor que faça um quadro usando apenas duas cores. Ignorar todas as carnes ou, pior, leites e derivados, como fazem os radicais, é inaceitável.
Folha - Por que você virou chef de cozinha?
Bourdain - Por acidente. Quando comecei (1975), os cozinheiros e os chef eram tratados como príncipes. A vida social era intensa, eles roubavam tudo o que podiam das cozinhas dos restaurantes, bebiam de graça, dormiam com todas as garçonetes e com metade das clientes. Parecia-me o mundo ideal, na época.
Folha - Continua assim?
Bourdain - Os restaurantes são muito mais profissionais. A profissão está muito mais regularizada, assim como o comportamento das pessoas nas cozinhas.
Folha - Qual o melhor restaurante de Nova York hoje?
Bourdain - Le Bernardin.
Folha - Do mundo?
Bourdain - Não sei, mas o French Laundry me parece muito interessante. Fica em Youthville, no Vale do Napa, na Califórnia.
Folha - E o pior?
Bourdain - O All Star Cafe. Ou o Planet Hollywood. Ou o Hard Rock Cafe. Escolha seu favorito, desde que seja temático.
Folha - O que você achou do novo restaurante de Alain Ducasse no Essex House, que foi massacrado pelos nova-iorquinos e dividiu a crítica?
Bourdain - Ainda não conheço, mas nunca vi tanto escárnio e raiva nos jornais por causa de um restaurante. Soube, porém, que a crítica mais especializada entendeu o valor de sua comida e foi muito bem tratada por Ducasse. Agora que todo o ódio a ele passou de moda, comecei a ouvir grandes elogios. Ainda acho uma grande bobagem toda a frescura dele com as mil canetas e todas as opções de facas para cortar carne. Acaba incluído na conta, o que não é bom. Mas estou curioso.
Folha - Nova-iorquinos não levam restaurante a sério demais?
Bourdain - Sim, mas tem uma explicação. Temos de alcançar os europeus e orientais nesse assunto, estamos realmente atrás dos países que têm tradição de comida. Se parece que estamos entusiasmados demais, e talvez isso seja bem irritante, é porque precisamos. É bom para o país e, com certeza, é bom para os chefs.
Folha - Comida boa tem de ser necessariamente cara?
Bourdain - As melhores comidas do mundo são baratas. Os lugares de churrasco no sul dos EUA ou até mesmo um cachorro-quente bem-feito podem ser maravilhosos e muito baratos. As melhores refeições da minha vida aconteceram em lugares pequenos que cobraram quase nada. Lembro-me de alguns restaurantes assim no Caribe e até no Brasil. Ficar na praia comendo coisas muito simples, que são vendidas pelos ambulantes ou pelos restaurantes que ficam quase na areia, é uma experiência inesquecível. Atmosfera boa e a comida feita com carinho, eis a refeição perfeita.
Folha - Você se lembra de algum restaurante brasileiro?
Bourdain - Claro. Aquele muito famoso no Pelourinho, o Tempero da Dadá, maravilhoso. Mas o melhor mesmo foi sentar na areia e comer as coisas que estavam sendo cozidas em pequenos lugares e eram trazidas para a areia. Tinha uma grande variedade, espetinhos deliciosos.
Folha - Deixe-me adivinhar o assunto de seu próximo livro...
Bourdain - Fácil. Sai em abril, chama-se "Typhoid Mary" e é uma avaliação histórica da cozinha nova-iorquina do fim do século passado pela vida de uma cozinheira tifosa, que realmente existiu. O outro vai se chamar "A Cook's Tour", em que viajo o mundo experimentando diferentes culinárias. Já fui ao Japão, ao Vietnã, Camboja, Cuba, Rússia...
A entrevista foi concedida em dezembro de 2000 a Sérgio Dávila, correspondente em Nova York à época e hoje editor-executivo da Folha.
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