Descrição de chapéu

Em espécie de alucinação, 'Rei' faz exercício experimental de beleza notável

Filme de Niles Atallah não se destina a quem vai ao cinema em busca de entretenimento

NAIEF HADDAD

Rei

  • Quando Estreia nesta sexta (22), no IMS
  • Elenco Rodrigo Lisboa, Claudio Riveros
  • Produção Chile/França, 2017
  • Direção Niles Atallah

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Orélie Antoine de Tounens foi um advogado francês do século 19 guiado por uma obsessão, reunir territórios hispano-americanos sob um regime monárquico.

Ele viajou para o Chile em 1858 e se instalou no sul do país, onde aprendeu mapudungún, o idioma dos índios mapuches, que dominavam a região. Com o apoio dos líderes tribais, Tounens se proclamou rei da Araucanía e Patagônia.

Seu sonho de nobreza, no entanto, durou pouco. Sem o apoio do cônsul francês, que o tomou como louco, Tounens foi preso pelo governo chileno e logo em seguida deportado para seu país de origem.

É esse homem a inspiração de "Rei", filme de Niles Atallah, diretor de cinema e videoartista nascido nos EUA e radicado no Chile.

Na trajetória insólita do francês, há aspectos sobre os quais pouco se sabe. Um exemplo: como ele conseguiu conquistar a confiança de tantos líderes mapuches, que tinham poder expressivo à época?

Atallah não se dispõe a elucidar pontos como esse. Pelo contrário. O que fascina o diretor são justamente os mistérios em torno de Tounens, apresentados por meio de abstrações de cores e formas.

Ao longo dos 90 minutos, a linearidade cede espaço gradativamente aos ensaios visuais, que constituem um exercício experimental de beleza notável. Fatos, memórias e delírios se embaralham como numa alucinação.

O tempo ocupa papel central em "Rei". O filme levou sete anos para ficar pronto, o que não se explica pela produção, em nada monumental. São poucos atores e locações.

A demora se deve ao tratamento dado por Atallah à película. Como em trabalhos anteriores, ele enterrou o filme de 16 mm no quintal da sua casa, onde o material ficou por uma longa temporada. Assim, o negativo se deteriorou, adquirindo ranhuras, granulações e cores saturadas.

Ao lidar com esse tipo de reação química, Atallah se coloca à mercê do acaso. Longe das condições ideais de conservação, o cineasta perde o controle sobre a textura que o filme terá.

É esse o seu modo de brincar com o tempo. A incerteza prevalece sobre o passado (os mistérios de Tounens) e o futuro (as formas que o seu filme sobre Tounens vai ganhar).

A experimentação dilui fronteiras e leva "Rei" ao posto de produção para o cinema e obra de arte contemporânea simultaneamente. Foi exibido na Whitechapel, uma das principais galerias de Londres. Não deixa de ser verdade, por outro lado, que o filme pareça deslocado onde estiver. Nesse caso, o estranhamento é uma virtude.

Em suma, o filme de Atallah não se destina a quem vai ao cinema em busca de entretenimento. A riqueza de "Rei" se constrói a partir da dúvida e das marcas deixadas pelo tempo.

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