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Artes Cênicas

Espetáculo 'À Espera' cria eficiente suspense psicológico

Com direção competente de Hugo Coelho, peça de Sérgio Roveri mescla mistério a drama existencial

Espetáculo 'À Espera', de Sérgio Roveri
Cena do espetáculo 'À Espera', escrito por Sérgio Roveri - Heloisa Bortz/Divulgação
BRUNO MACHADO

À Espera

  • Quando Qui. e sex., às 20h, sáb., às 18h. Até 21/7
  • Onde Oficina Cultural Oswald de Andrade, r. Três Rios, 363
  • Preço Grátis
  • Classificação 14 anos

Em uma cena de "À Espera", um personagem lê um trecho do Credo: "...está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso, de onde há de vir julgar os vivos e os mortos".

Numa dramaturgia essencialmente alegórica, em que tempo, espaço e personagens têm contornos pouco definidos, é instigante a referência explícita à oração.

É como se o dramaturgo Sérgio Roveri abrisse uma fresta por onde é possível ler o subtexto que sustenta seu enigmático drama. Ainda que cifrados, estão ali presentes alguns dos elementos fundadores da tradição judaico-cristã: a vinda de um messias, o Arrebatamento e o Juízo Final.

Nas camadas mais superficiais, o texto é um eficiente suspense psicológico. Presa a uma cadeira de rodas —num possível aceno a "O que Terá Acontecido a Baby Jane?", de Henry Farrel—, a figura vivida por Regina Maria Remencius passa as madrugadas em claro contando pingos que vertem de uma torneira.

Sua única alegria são as ricas descrições que a outra mulher, personagem de Ella Bellissoni, faz de seus sonhos. A monótona rotina é interrompida pela chegada de um homem (Jean Dandrah), que anuncia uma festa de aniversário.

Neste espetáculo, como o título sugere, os personagens estão estagnados; debatem-se entre a ânsia e o temor de qualquer mudança, num impasse que parece reverenciar "Esperando Godot" e "Fim de Jogo", de Samuel Beckett.

A inação, que paradoxalmente anima os personagens, é espelhada pela encenação de Hugo Coelho: iluminação e trilha sonora reforçam a ausência de tempo e lugar; figurino e maquiagem sugerem a falta de vitalidade daquelas figuras —são como assombrações saídas de um filme de terror japonês expiando velhas culpas no purgatório católico.

Os elementos oferecem mais insinuações do que afirmações. A despeito da miríade de metáforas contidas na dramaturgia, a direção opta por uma arriscada leitura que, por vezes, beira o literal.

O resultado surpreende: além de privilegiar o caráter alegórico do texto, expande os seus significados. O que poderia ser apenas uma reflexão sobre a moral judaico-cristã se revela uma ampla meditação sobre a existência humana, a relação do sujeito com o tempo e a noção de destino.

Competente, a direção dá um corpo pouco óbvio a abstrações, sem recair numa poética fácil ou num hermetismo estéril, e consegue estabelecer uma ponte entre as densas ideias da dramaturgia e o imaginário da plateia.

Ao potencializar significados, mais do que obter um bom resultado dramático ou estético, a encenação conserva intacto um certo mistério partilhado por personagens e espectadores.

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