Descrição de chapéu Artes Cênicas

Espetáculo discute a 'bomba de estímulos' da vida contemporânea

Com texto de Victor Névoa e direção de Kiko Marques, Insones estreia nesta quinta (21) em São Paulo

Paulo Arcuri (esq.), Fernanda Raquel, Helena Cardoso e Vinícius Meloni durante ensaio de 'Insones' - Lenise Pinheiro/Folhapress
MLB
São Paulo

Faz 365 dias que eles não pregam os olhos. Inertes sobre um longo sofá, vestindo trajes de festa, os quatro personagens de "Insones", espetáculo que estreia nesta quinta-feira (21), tentam sem sucesso finalizar a contagem regressiva do Ano-Novo.

A cada vez que experimentam celebrar a virada, são tomados por uma distração qualquer. "Partimos dessa sociedade 24/7 contemporânea. Eles são insones não no sentido de não conseguir dormir, mas de estarem o tempo inteiro numa bomba de estímulos", diz Victor Nóvoa, que assina a dramaturgia da peça.

Para conceber a montagem, idealizada por Névoa e pelas atrizes Fernanda Raquel e Helena Cardoso --que dividem o palco com Paulo Arcuri e Vinicius Meloni--, o grupo se baseou nos livros "24/7 "" Capitalismo Tardio e os Fins do Sono", do crítico americano Jonathan Crary, e "Sociedade do Cansaço", do filósofo sul-coreano Byung-Chul Han.

Do primeiro, comenta o dramaturgo, pinçaram o conceito de que dormir significaria profanar a liturgia do capitalismo. "Se você dorme, não consome, não produz."

É uma sociedade em que sente-se angústia por não produzir, continua Kiko Marques, diretor da montagem.

"A gente se sente obrigado a criar e a se divertir sempre. Vivemos numa ditadura da felicidade, e criamos representações falsas de felicidade."

Os insones do espetáculo forçam a todo momento alguma forma de diversão. Dançam, ainda que de modo mecânico e visivelmente desconfortável, brindam sem saber com quem ou por que.

Uma delas, um tanto paranoica, irrita-se com as sombras sobre o chão e a cada instante resolve aumentar a luz.

Outro sente uma dor de cabeça constante e, apesar do desconforto, fala de suas noites em claro não como uma insônia comum, mas como algo potente, que o agiganta.

Uma dupla tenta discorrer sobre as coisas que "nos preenchem", porém lhes faltam palavras. Não conseguem definir o que seriam elas e terminam em frases incompletas.

Estão juntos, mas desconectados um do outro. "É um simulacro de relações. Eles se relacionam para o que é absolutamente individual e quase utilitário", diz Marques.

Em contraponto a isso, o cenário é bastante realista: um grande sofá, que pressupõe a comunhão entre pessoas. Mas as quatro figuras parecem ter uma cisão entre sua presença física e suas falas. "Eles estão aqui, mas seus corpos estão degringolados", afirma Névoa.

Até quando uma personagem recebe um abraço, reage de forma apática. "Eu quase senti coisas lindas", diz ela.

Parecem se relacionar apenas em momentos violentos, como quando comentam vídeos de agressões policiais ou quando sentem um prazer estranho em bater no outro.

"Nessa tentativa de se desconectar desse mundo", afirma Névoa, "criamos nódulos e as violências vão escapando".

Insones

  • Quando Qui. a sáb., às 20h. Até 21/7
  • Onde Sesc Pinheiros - auditório 3º andar, r. Paes Leme, 195
  • Preço R$ 7,50 a R$ 25
  • Classificação 14 anos
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