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Cinema

Estreantes, irmãos evitam injeção de personalidade em 'Carnívoras'

Diretores Jérémie e Yannick Renier fazem o que podem com trama sobre duplos

Cássio Starling Carlos

Carnívoras (Carnivores)

  • Quando em exibição no Festival Varilux
  • Classificação não informada
  • Elenco Leïla Bekhti, Zita Hanrot, Hiam Abbass
  • Produção França/Bélgica, 2018
  • Direção Jérémie e Yannick Renier

Diante do título "Carnívoras" é mais provável alguém supor que se trata de um filme aterrorizante do que de um documentário sobre vegetarianismo.

Destaque do Festival Varilux, que se inicia nesta quinta (7), o longa de estreia dos irmãos belgas Jérémie e Yannick Renier, contudo, é, do mesmo modo, feito de pistas falsas, uma estratégia instigante para entrar no universo de simulações que é o cinema. 

A escolha de duas irmãs e atrizes como personagens centrais também não se reduz à simples mania de espelhamento dos Renier. A trama de duplos, que eles retomam de uma larga tradição, abre espaço para abordar a troca de papéis, experiência que atores costumam ter de sobra.

A trama gira em torno de Mona e Samia, irmãs morbidamente assemelhadas. Novamente, a tradicional oposição de temperamentos nos ajuda a diferenciá-las. Além disso, os óculos de aros grossos dão a Mona um ar fechado e sério, enquanto os cabelos revoltos fazem Sam parecer impulsiva e errática.

Mona estudou com afinco, mas Samia é quem consegue bons papéis. Para complicar, Samia começa a ter dificuldades para atuar quando é escolhida por um diretor muito exigente e Mona torna-se tão próxima a ponto de entrar na personagem da irmã.

Nas mãos de Hitchcock, Bergman, Cronenberg ou Lynch, tramas de duplicações e personificação resultaram em filmes fascinantes que jogaram ácido em nossa crença na unidade do eu.

Já os Renier fazem o que podem com um tema impróprio para iniciantes.

Conscientes do risco, eles evitam submergir em águas profundas e tratam a história como "thriller" de mistério.

Em vez de injetar muita personalidade na estreia, nota-se que os Renier se esforçam para se distanciar da estética dos diretores junto aos quais surgiram e amadureceram enquanto atores, como Jean-Pierre e Luc Dardenne para Jérémie e Joachim Lafosse para Yannick.

Por isso, a secura realista de seus papéis diante da câmera foi trocada pela estilização acentuada nos cenários, nos climas e na opção pelo fantástico quando mudaram de posto. 

Do lado de lá, o interesse principal deles passa a ser observar e mostrar as atrizes compondo papeis, entrando nos personagens, incorporando comportamentos por meio do corpo e da psicologia.

Por isso, somente Leïla Bekhti (Mona) e Zita Hanrot (Samia) chamam a atenção em “Carnívoras”, com desempenhos que confundem semelhança e estranhamento, que suspendem a fronteira entre consciência e possessão.

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