Descrição de chapéu BBC News Brasil

Ex-guarda-costas de Osho conta como foi fazer parte do círculo íntimo do 'guru do sexo'

Hugh Milne seguiu líder de culto durante uma década, mas sonho acabou de forma abrupta

O britânico Hugh Milne foi discípulo do guru indiano Bhagwan Shree Rajneesh, o Osho, desde o início da carreira de seu então mestre. Anos depois, porém, viu seu sonho de viver em uma comunidade baseada no amor e na bondade implodir de forma espetacular.

Uma série popular do serviço de streaming Netflix, chamada "Wild Wild Country", mostra como o carismático e controverso líder indiano moveu sua comunidade alternativa da Índia para um rancho no meio do Estado americano do Oregon —uma verdadeira cidade surgiu no meio da zona rural em poucos meses.

Por um período de cinco anos, houve uma batalha judicial e tensões com os antigos residentes da cidadezinha próxima ao rancho, bem como tentativas de assassinato, fraude eleitoral, tráfico de armas e um caso de envenenamento em massa —que é até hoje considerado o maior caso de bioterrorismo da história dos EUA.

Hugh Milne, natural de Edimburgo, na Escócia, passou quase uma década lado a lado com o guru indiano —que, entre outras excentricidades, era conhecido por ter tido uma coleção de 90 Rolls-Royces.

Além de ser uma inspiração para Milne, Bhagwan também fez sexo com a namorada do escocês e o mandou realizar trabalhos pesados. Durante anos, o escocês atuou como guarda-costas do guru —sua função principal era evitar que os seguidores tocassem nele.

Na década que passou com Bhagwan, Milne viu o guru comandar a rápida expansão do movimento: "de 20 seguidores para 20 mil pessoas", conta ele.

"E não eram 20 mil pessoas que simplesmente assinavam uma revista", diz Hugh. "Eram 20 mil pessoas que deixaram suas casas, abandonaram suas famílias, largaram tudo e trabalhavam de 60 a 80 horas por semana sem pagamento, dormindo em alojamentos", conta o ex-guarda-costas.

Para efeito de comparação, um emprego em tempo integral no Brasil envolve uma jornada de 44 horas semanais. "Esse era o grau de comprometimento das pessoas", diz Milne.

Das fitas cassete à vida real

Milne, hoje com 70 anos, nasceu na cidade de Lanark, local escolhido porque ter a única maternidade natural da Escócia, na época.

Ele cresceu em Edimburgo —sua família era ligada à Kingston Clinic, fundada por seu avô, James C. Thomson. O local promovia terapias alternativas, como a hidroterapia.

Em 1973, depois de concluir sua formação em osteopatia (um ramo da medicina alternativa), o escocês mudou-se para a Índia. Ele tinha entrado em contato com os ensinamentos de Bhagwan, então gravados em fitas cassete. Tinha 25 anos na época.

"Quando você encontra uma pessoa tão extraordinária quanto Bhagwan, isso tem um impacto profundo em você", diz ele. "Eu pensei: 'que ser maravilhoso, sábio, bondoso, amoroso é ele'. Queria sentar aos pés dele e aprender com ele", diz.

Milne, que publicou um livro sobre Bhagwan intitulado "The God That Failed" (O Deus que falhou, em tradução livre), diz que o guru nunca foi um "Deus" no sentido cristão. "Eu o via como um ser humano altamente evoluído, com um grande talento para a percepção e o entendimento."

Ele diz que Bhagwan, que adotou o nome de Osho poucos anos antes de sua morte, em 1990, era um "camaleão", capaz de se transformar no que seus seguidores quisessem.

'Guru do sexo'

O escocês diz que seus encontros cara a cara com Bhagwan (chamados de "dharshans" pelos seguidores) foram muito reveladores. Mesmo assim, foi difícil se adaptar à Índia no começo.

Ainda nos primeiros 18 meses morando na Índia, Bhagwan Rajneesh começou a fazer sexo com a namorada de Hugh, e o mandou para trabalhar em uma fazenda em uma das partes mais quentes da Índia.

Milne diz que o Rajneesh —então com pouco mais 40 anos de idade— tinha "dharshans" com algumas de suas seguidoras às 4h da manhã.

"Ele ganhou a alcunha de 'guru do sexo' em parte porque falava muito sobre sexo e orgasmos nas palestras, mas também porque todo mundo sabia que ele dormia com suas seguidoras", diz.

O escocês admite que sentiu ciúmes e pensou em deixar o ashram (como era chamado o mosteiro de Osho), mas uma parte dele acreditou que aquilo poderia dar certo.

"Sabia que ele era um 'guru do sexo', e aquilo era parte do curso', conta. "Todos nós éramos sexualmente liberados, e muito pouca gente era monogâmica (tinha um parceiro só). O contexto era outro em 1973", conta.

Milne diz que sua relação com a namorada ganhou "outra qualidade" depois dos encontros dela com Bhagwan. Infelizmente, o relacionamento teve vida curta, já que pouco depois ele foi mandado para o trabalho na fazenda, a 640 quilômetros de distância da comunidade.

Quando Hugh voltou, se tornou o guarda-costas de Ma Yoga Laxmi, a então secretária pessoal de Osho. Ela tinha sido atacada violentamente por um seguidor ("sannyasin", no jargão do mosteiro) que tinha tido um pedido de encontro pessoal negado.

Laxmi então disse a Hugh que ele precisava atuar como guarda do próprio Bhagwan.

Aura de santidade

O guru se dizia desconfortável com a ideia de negar a seus seguidores acesso a ele —mas, segundo Hugh Milne, não suportava pessoas tocando nele ou beijando seus pés.

"Ele achava desagradável", diz.

Nos sete anos seguintes, o escocês foi um dos "sannyasins" de alto nível responsáveis por criar uma aura de "santidade" em torno de Osho.

Outra pessoa no círculo íntimo era Ma Anand Sheela, que ocupa papel de destaque no documentário da Netflix sobre a comunidade no Oregon.

Sheela é natural da Índia, mas estudou numa universidade de New Jersey, nos EUA, e casou-se com um americano antes de retornar a seu país para trabalhar com Bhagwan.

Milne conta que trabalhou com Sheela na administração da cantina do centro em Pune —a operação crescia de tamanho conforme Bhagwan atraía mais seguidores.

Ele conta ter tido um caso intenso com Sheela durante um mês, até que o marido dela pediu a Bhagwan que interviesse.

Depois do fim do romance, a atitude de Sheela com o escocês teria mudado —e eventualmente criou problemas para ele depois que ela subiu na hierarquia do mosteiro, substituindo Laxmi como secretária pessoal de Osho.

Sheela era a principal organizadora da mudança da comunidade da Índia para o Oregon.

Bhagwan estava se tornando uma figura controversa na Índia, e precisava de um lugar onde pudesse ampliar sua comunidade de dezenas de milhares de seguidores.

'Um erro'

Sheela comprou o rancho Big Muddy, no Oregon, em 1981. Prestando pouca atenção às leis locais, organizou os "sannyasins" para construir uma cidade —batizada de Rajneeshpuram— baseada nas crenças do grupo.

"Eu considero (a mudança para) o Oregon um erro", diz Hugh. "Foi uma escolha desastrosa."

Ele diz que a comunidade cometeu contravenções contra a lei local desde o começo —com Sheela e um pequeno grupo de seguidores fazendo tudo o que fosse necessário para levar os planos adiante.

"Tudo o que fosse necessário" envolvia intimidar os moradores da cidadezinha vizinha de Antelope e, mais tarde, planejar o assassinato de autoridades estaduais.

Mais de 750 pessoas contraíram salmonella graças aos "sannyasins", que infectaram os bufês de salada dos restaurantes locais numa tentativa de mudar o resultado de uma eleição.

Os rajneeshis disseram à época que estavam sendo perseguidos por autoridades e pelo establishment conservador dos EUA, mas Milne diz que o próprio grupo criou problemas ao agir à revelia das leis.

Em abril de 1982, conta que começou a ter dúvidas a respeito da comunidade na qual vivia.

O grupo já não tinha nada a ver com amor, bondade e meditação, diz ele.

Hugh Milne atuava como osteopata em um centro de saúde no centro do rancho. Os "sannyasins", que estavam trabalhando de 80 a 100 horas por semana para construir a comuna, estavam "desmoronando" de cansaço.

As diretrizes de Sheela sobre como tratar os seguidores que buscavam o centro de saúde eram "desumanas", diz ele. "Ela dizia: 'dê a eles uma injeção e mande-os de volta para o trabalho'", relata ele.

Em outra ocasião, teria sido proibido de visitar um amigo que tinha sofrido um acidente em uma canoa, e foi mandado de volta ao trabalho.

"Eu pensei 'estamos virando monstros'. Por que eu continuo aqui?", diz.

Hospital psiquiátrico

Milne deixou o Oregon em novembro de 1982.

"Por um tempo, eu fiquei completamente inútil", diz. "Estava confuso e aos pedaços. Não conseguia lidar com nada."

Ele passou seis meses em um hospital psiquiátrico antes de tentar reconstruir sua vida.

Depois, diz que passou algum tempo trabalhando como osteopata em Edimburgo antes de mudar-se para Londres, Zurique (Suíça) e finalmente para a Califórnia (EUA), onde vive desde 1985.

Ele conta que a maioria dos eventos descritos na série "Wild Wild Country" ocorreram depois que ele deixou a comunidade, e que sabia muito pouco sobre a extensão das atividades de Sheela.

Mas e Bhagwan? Ele sabia o que Sheela e seu séquito estavam fazendo?

"Não tenho a menor dúvida de que ele sabia, sim."

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