Andy Kaufman era um maldito. Provocativo, o humorista americano irritava liberais e conservadores e negava a própria comédia, seu ofício. Até sua morte precoce em 1984, aos 35, está envolta em polêmicas: há quem diga que Kaufman a tenha fingido.
Era um jogo entre ficção e realidade que permeou o trabalho e a vida do humorista. E que agora também costura "Andy", peça que Gero Camilo e Victor Mendes, com sua Cia. Tertúlia de Acontecimentos, estreiam neste sábado (23).
A dupla cria uma série de quadros, que vão do real ao imaginário. Os artistas brincam no limite entre o que é teatro e realidade, deixando o espectador por vezes na dúvida se o que vê é ensaiado ou um improviso; se o corredor da plateia faz parte da cena ou se foram parar lá por acaso.
O cenário em alguns momentos representa um estúdio de TV, noutros é o quarto de Kaufman (interpretado por Mendes). Ali, ele vê um documentário sobre a cachorrinha Laika (vivida por Gero, que ainda faz outros personagens), primeiro ser vivo a ser enviado ao espaço, em 1957.
"Há muitos paralelos entre eles. Tanto Andy como Laica são cobaias do seu tempo", diz Gero. "Andy, como Laika [um animal de rua capturado pelo programa espacial russo], foi muito rejeitado pelos pais", continua Mendes. "O espaço é ainda uma referência a essa figura que está com os pés no chão e a cabeça na Lua."
Kaufman começou a chamar a atenção em clubes de comédia de Nova York, fazendo o personagem de um estrangeiro do mar Cáspio.
Num de seus primeiros números de sucesso, era acompanhado de um gravador no qual colocava o tema do desenho animado "Super Mouse", paródia roedora do Super-Homem. Seguia, tímido e quase apático, a música até o refrão, "Here I come to save the day" (venho salvar o dia), quando se entusiasmava e dançava.
O número chegou a fazer parte da primeira temporada do humorístico "Saturday Night Live", em 1957. Mas mesmo num dos mais tradicionais programas de comédia americanos ele é pouco lembrado.
"Visitamos os estúdios em Nova York. Nas paredes dos corredores, tem fotos de todo mundo, menos dele. Ele é uma figura meio rejeitada mesmo", conta Mendes.
Ele subvertia e provocava tanto —em alguns números, restringia-se a olhar para a plateia— que não ficou muito bem quisto, segundo Gero.
No fim da vida, investiu na luta livre, enfrentando mulheres e definindo-se como "campeão intergênero" da modalidade, o que irritou em muito o público feminino. Até hoje não se sabe bem se sua morte foi em decorrência de um câncer de pulmão ou da Aids.
"Essa ficcionalização ele levava para a própria vida mesmo", diz Mendes. Ele morreu, mas sua ficção continua."
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