'Hereditário', 1º longa de diretor de 31 anos já é tratado como clássico do terror

Protagonizado por Toni Collette, filme conta a história de uma família afundada em horrores

Rodrigo Salem
Los Angeles

Toni Collette, 45, estava decidida a dar uma pausa nos trabalhos mais intensos e fazer uma comédia mais relaxante. Somente no ano passado, a atriz australiana esteve em nove projetos.

Mas "Hereditário", seu primeiro longa de 2018, passa longe das risadas: é o filme de horror mais perturbador dos últimos anos, uma trama macabra sobre luto e demônios.

Enquanto filmava "Madame" (2017) em Paris, porém, recebeu de seu agente o roteiro e se sentiu urgida a aceitar.

"Hereditário" é o primeiro longa do diretor e roteirista Ari Aster, 31, que fez fama no mundo dos curtas. Ele conta a história de uma família lidando com a morte da matriarca, uma mulher repleta de "segredos e suspeitas", como descreve sua filha, Annie, vivida por Collette, no funeral.

"É uma bela meditação sobre luto", diz a atriz. "Essa família tenta superar a dor mais dilacerante que existe, e não há uma maneira certa ou errada para lidarmos com ela. E, no momento mais sombrio, tudo ainda fica pior para eles."

No caso, o núcleo familiar se vê assaltado por uma série de tragédias, e a normalidade parece nunca se restabelecer.

Annie tenta compreender seus sentimentos ao mergulhar no trabalho como artista de miniaturas. O marido, Steve (Gabriel Byrne), se torna a âncora da casa, enquanto o casal de filhos, Peter (Alex Wolff) e Charlie (Milly Shapiro), é afetado pela perspectiva de uma doença mental ou de algo que não passa por suas cabeças: uma maldição sobrenatural deixada pela avó.

"Há elementos assustadores no filme. Mas amo que a trama seja sobre como a morte quebra a dinâmica familiar", diz Collette. "O sobrenatural é uma extensão direta de algo muito natural e acredito que seja um milagre ter um longa com esses dois elementos batalhando simultaneamente."

Recuando no tempo, a mistura de gêneros está em "O Bebê de Rosemary" (1968), de Roman Polanski, e "Inverno de Sangue em Veneza" (1973), de Nicolas Roeg. Mais recentemente, "Corrente do Mal" (2014), de David Robert Mitchell, e "A Bruxa" (2015), de Robert Eggers, usam o horror como exercício intelectual.

Ambos, porém, foram vendidos como filmes de terror mais populares, e o público se sentiu enganado, atribuindo notas baixíssimas aos longas.

"Hereditário" mirou os jovens com campanha semelhante. Os trailers eram ágeis e centrados nos sustos. O diretor divulgou os rituais de magia negra que pesquisou para o roteiro. Mas, ao contrário dos outros, o filme tem momentos assustadores e talvez a cena mais chocante e inesperada do ano. Ainda assim, as notas apuradas pela Cinemascore junto aos espectadores são baixíssimas.

Já revistas especializadas, como a Rolling Stone, chegaram a chamá-lo de "'O Exorcista' da nova geração", e o filme foi aclamado no Festival de Sundance, onde estreou em janeiro passado.

Alheio à divisão entre crítica e público, o filme independente rendeu US$ 13 milhões (cerca de R$ 49 milhões) no fim de semana de estreia. Em dez dias nos EUA, fez quase US$ 30 milhões (R$ 112 milhões), o triplo do que custou.

Já se sussurra a palavra "Oscar" ao lado do nome de Toni Collette —em 2000, ela foi indicada como atriz coadjuvante por "O Sexto Sentido", coincidentemente outro filme de terror fora dos padrões.

"Vejo algumas similaridades entre os dois projetos. A mais óbvia delas é o fato de serem dramas familiares com uma reviravolta. Ambos são filmes especiais", diz Collette, que quase não conseguiu o papel em "Hereditário" por causa de sua agenda lotada. O diretor segurou as filmagens até conseguir sua protagonista.

"Agradeço a Ari. Sou otimista, e a maioria dos meus filmes possui elementos de esperança. Mas 'Hereditário' é aterrorizante porque não há nele esperança alguma. É um pesadelo ambulante."

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.