Em "Leopoldina, Independência e Morte", o autor e diretor Marcos Damigo apresenta uma pouco conhecida versão de uma decisiva cena da história brasileira e alça ao protagonismo uma figura relegada a coadjuvante.
Em 2 de setembro de 1822, dona Leopoldina, então regente interina, reuniu o Conselho de Estado e proclamou a independência do Brasil. A notícia só chegaria às margens do Ipiranga uma semana depois, no episódio mitificado pela historiografia oficial.
A dramaturgia percorre um trajeto biográfico: do desembarque no Brasil até a morte solitária, Leopoldina (Sara Antunes) vai da perplexidade com os costumes coloniais à compreensão do próprio papel histórico.
Por vezes, o texto adquire um tom ostensivamente didático que destoa dos demais elementos da encenação, de feições naturalistas. Informações históricas inseridas nas falas, bem como datas e fatos apresentados à plateia, assim, parecem deslocadas.
Quase toda a ação dramática se passa atrás de uma sólida quarta parede, o que colabora para esse efeito.
A direção é mais competente na utilização de outros recursos: como as raízes europeias de Leopoldina que aos poucos cedem ao calor dos trópicos, cenário e figurinos progressivamente perdem solenidade para assumir um caráter francamente caótico.
A gradação também reflete o lento naufrágio de um projeto político progressista materializado pela imperatriz que, enfim, é enterrado junto de seu cadáver.
Numa das cenas, irrompe no palco a figura de José Bonifácio (Joca Andreazza), seu aliado. A presença do coadjuvante, entremeada por dois monólogos, causa estranheza. É um gesto piedoso da direção, que oferece à heroína um interlocutor como alento à sua solidão estrangeira.
O trecho final, por sua vez, apresenta a imperatriz às vésperas da morte, impedida de voltar à Europa e preterida pelo marido infiel. O espetáculo, então, traça paralelos com a situação política atual. É possível, inclusive, enxergar uma analogia entre o isolamento de Leopoldina e o impeachment de Dilma Rousseff.
Não obstante o talento de Sara Antunes e o texto de alta carga dramática, a direção opta por um registro estoico —resultado de um olhar por vezes excessivamente reverente à figura de Leopoldina, transformada em metonímia de tantas personagens condenadas ao esquecimento. O espetáculo seria, assim, um símbolo de reparação histórica.
É louvável o esforço de revelar a importância de Leopoldina para a história do Brasil, mas não sem algum prejuízo ao drama humano, relegado ao segundo plano.
A mulher que atravessou quase uma dezena de gestações, abortou três vezes e perdeu um filho, enfrentou a infidelidade conjugal, vendeu a própria liberdade pela independência de um país que não era o seu, viveu o desterro e amargou a solidão, inclusive no leito de morte, aos 29 anos —essa personagem ainda jaz à sombra da imperatriz.
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