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Artes Cênicas

'Nem Princesas Nem Escravas' é simulação pueril e ingênua de um cabaré

Relação com o público não é autêntica, e todo o contato é enrijecido e pré-fabricado

Paulo Bio de Toledo

Nem Princesas Nem Escravas

  • Quando . Sáb., 19h30, dom., 16h, seg., 20h. Até 9/7
  • Onde Teatro Sérgio Cardoso - sala Paschoal Carlos Magno, r. Rui Barbosa, 153, São Paulo
  • Preço Ing.: R$ 30 (www.ingressorapido.com.br)
  • Classificação 14 anos

Antes de começar propriamente o espetáculo "Nem Princesas Nem Escravas", o diretor Cacá Rosset entra em cena, dá alguns informes ao público e afirma que celulares podem ficar ligados, que é permitido fotografar, fazer postagens nas redes sociais etc.

As estranhas recomendações não são apenas um deboche dos ritos protocolares do teatro. Com elas o diretor anuncia a aproximação entre o espetáculo e o cabaré artístico, um tipo de manifestação cultural que teve grande amplitude na Europa no início do século 20 e inspirou algumas das primeiras peças do Teatro do Ornitorrinco no final dos anos 1970.

De modo geral, o cabaré europeu abrigava espetáculos, números musicais e esquetes que aconteciam geralmente em bares e espaços de convívio noturno. A cena era pensada na relação direta com um público, que falava, interagia e comentava aquilo que via. No cabaré, atuava-se com um olho no palco e outro na audiência.

É o que parece nortear a proposta estética de "Nem Princesas Nem Escravas". A montagem intercala números musicais com monólogos de uma dona de casa (Ângela Dippe), uma prostituta (Christiane Tricerri) e uma intelectual (Rachel Ripani). A luz fica quase todo o tempo acesa sobre a plateia, que se transforma no interlocutor direto das mulheres em cena.

Mas, apesar da relativa qualidade das atrizes, o espetáculo não vai além de uma simulação pueril e ingênua da estrutura de um cabaré. A relação com o público não é autêntica, todo o contato é enrijecido e pré-fabricado; cada gesto, cada inflexão de voz e até mesmo as improvisações parecem ter sido marcados e estabelecidos antecipadamente pela encenação.

A cena torna-se um tipo de impostura do ambiente vivo e dinâmico de um cabaré. O desempenho livre dos artistas no palco, que foi a alma dos mais famosos cabarés, é só uma referência pálida no espetáculo que comemora os 40 anos do Teatro do Ornitorrinco.

Além disso, a montagem subscreve e alarga a já extensa coleção de estereótipos regressivos sobre a mulher que percorrem a peça do mexicano Humberto Robles. "Nem Princesas Nem Escravas" busca comicidade no metaforismo barato e sexista sobre a prostituição; na ridicularização da passividade de uma mulher que sofre violência doméstica; ou ainda na sugestão lamentável de que o feminismo da intelectual é produto de suas frustrações amorosas.

O resultado é um tipo de pastiche do cabaré, que neutraliza o que há de mais vivo e livre naquela antiga forma de teatro e se vale da aparente irreverência da estética para reiterar um discurso obscuro sobre a mulher na atualidade.

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