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Artes Cênicas teatro

Peça acerta ao ressaltar multiplicidade do feminino

'Eu Sou Essa Outra' é baseada na biografia da atriz norueguesa Liv Ullmann

amilton de azevedo

Eu Sou Essa Outra

  • Quando Qui. a sáb., às 20h30. Até 16/6
  • Onde Sesc Pinheiros - auditório 3º andar, r. Paes Leme, 195
  • Preço R$ 7,50 a R$ 25
  • Classificação 14 anos

Na introdução de "O Segundo Sexo", Simone de Beauvoir diz: "A mulher não se reivindica como sujeito porque não possui os meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele e, porque, muitas vezes se compraz no seu papel de Outro".

Partindo de "Mutações", autobiografia da atriz norueguesa Liv Ullmann, o espetáculo "Eu Sou Essa Outra" busca tais meios de subjetivação da mulher a partir de sua identificação com suas semelhantes.

A dramaturgia de Carla Kinzo também usa trechos de filmes e peças protagonizadas pela atriz. É o caso de "Casa de Bonecas", de Ibsen, e "Persona", de Ingmar Bergman —com quem a atriz foi casada.

Assim, ainda que a relação com Bergman esteja presente, o que se coloca em cena são as muitas vidas de uma mulher. Em uma escolha interessante da encenação de Vera Egito, a voz masculina só ganha o palco através da fala das atrizes no microfone.

Neste sentido, há um duplo simbolismo: o homem está, concretamente, fora daquela ação. Ao mesmo tempo, porém, surge amplificado.

Em cena, Maria Laura Nogueira, Nana Yazbek e Rita Gullo se alternam na narração e na ação. Elas interpretam Ullmann, Nora ("Casa de Bonecas"), Elisabeth e Alma ("Persona") e, de certo modo, elas mesmas e tantas outras.

A equipe criativa de "Eu Sou Essa Outra" é toda formada por mulheres. O desenho de luz de Aline Santini ressalta a expressividade das atrizes —parte do jogo cênico parece se consolidar nas hábeis modulações das intérpretes.

A trilha sonora, operada ao vivo por Camila Cornelsen, traz uma atmosfera interessante para as transições. Emannuelle Junqueira assina o figurino, com sobreposições em belos tons de branco.

A cenografia de Carmela Rocha —grades que cercam a cena e elásticos utilizados de diversas formas — concretiza a opressão e o constante trânsito entre sustentação e desequilíbrio da mulher em busca de sua liberdade.

Nessa busca pela alteridade no encontro de muitas "outras" repletas de singularidade, a obra se aproveita do metateatro de dramaturgia para lidar com as diversas questões enfrentadas pela mulher. Seja nos tempos de Ullmann, seja na atualidade.

Mesmo que o espetáculo se localize muito mais na tensão entre a representação dramática e a narração épica, soa inevitável que se jogue com um dado performativo.

Nogueira, Yazbek e Gullo não se abstêm de colocar a própria subjetividade em serviço da cena —não apenas neste espetáculo, mas no pensamento teatral acerca de se permitir atravessar pelas personagens e discursos que esta "outra" porta.

É importante ressaltar que, nos diversos quadros de "Eu Sou Essa Outra" —e, considerando as bases dramatúrgicas, é compreensível— parece-se estabelecer um recorte muito específico de que mulher é colocada em cena: a branca e burguesa. O que não reduz a relevância da obra.

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