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Artes Cênicas

'Pousada Refúgio', com ótimas atuações, vai da perplexidade ao riso

Peça mira escapismo da sociedade atual e critica ideário orgânico-gourmet da classe média

Amilton de Azevedo

Pousada Refúgio

  • Quando Qui. a sáb., às 21h30, dom., às 18h30. Até 1º/7
  • Onde Sesc Pompeia, r. Clélia, 93
  • Preço Ingr.: R$ 6 a R$ 20
  • Classificação 14 anos

Não é incomum nos tempos que correm nos vermos descontentes. Parece inerente à sociedade contemporânea o desejo de se afastar do caos da cidade, das insatisfações, da crise, enfim: da realidade.

É dessa premissa que parte "Pousada Refúgio", com texto de Leonardo Cortez e direção de Pedro Granato. A trama se desdobra sem saltos temporais e em um espaço único.

Trata-se de um jantar de celebração. Um professor casado com uma psicóloga se juntou a um casal de publicitários para investir numa pousada em Gonçalves (MG).

A ideia bucólica mira criticar o pensamento escapista, que seria decorrente não apenas do pessimismo mas também da dificuldade de enfrentar e superar as adversidades.

No entanto, a peça desenvolve, com ares tragicômicos, uma ideia sobre a mesquinhez e o individualismo de hoje. O que se vê é a impossibilidade de se refugiar de si próprio.

O figurino, de Marichilene Artisevskis, colore os personagens com estampas florais. O desejo de natureza se insere de forma delicada na cenografia de Diego Dac, com plantas nos móveis e até no lustre.

O contraste é dado pela decoração hipster e por itens eletrônicos. Assim, o concreto da metrópole e o sonho do campo se sobrepõem. O ideário orgânico-gourmet da classe média direciona a crítica da peça.

Parece haver pouco espaço para a complexidade das personagens. No limite entre o verossímil e o estereótipo, a superficialidade permite antecipar certos conflitos.

Dentro da proposta da direção, o elenco apresenta ótimas atuações. Destaque para Daniel Dottori, como o cunhado bipolar, figura desestabilizadora do enredo. Sua construção dá conta dos traços sutis e também de seu surto.

Há, no humor da peça, certa problemática quanto à figura do cunhado, único cuja condição é patológica. A obra não é desrespeitosa, mas talvez abuse do recurso. Noutros momentos, a comicidade é mais leve e direta na crítica. É o caso de uma mensagem do publicitário, repleta de jargões, todos em inglês.

Com certo nonsense, a dramaturgia de Cortez surpreende no desenvolvimento. E, ainda que a peça parta de um recorte da sociedade, fica a dúvida de onde está a autocrítica. Sem apontar soluções, "Pousada Refúgio" deixa o público entre a perplexidade e o riso.

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