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Prosa clara de Ian McEwan segue com sua elegância algo distante

'Meu Livro Violeta' traz textos inéditos que tratam de inveja literária e sexual

Ian McEwan posa para retrato no Soho Hotel, em Londres   - Lauren Fleishman - 7.mai.18/The New York Times
JOCA REINERS TERRON

Meu Livro Violeta

  • Preço R$ 44,90 (128 págs.)
  • Autor Ian McEwan
  • Editora Companhia das Letras
  • Tradução Jorio Dauster

Como um uróboro, o monstro mítico que se devora pela própria cauda, a obra recente de Ian McEwan deu a volta para se reencontrar consigo mesma.

O estilo e a temática de "Meu Livro Violeta", conto publicado na revista The New Yorker e depois lançado em livro a fim de celebrar os 70 anos do escritor britânico, assim como seu implícito riso burlão, são idênticos aos aplicados em suas primeiras coletâneas de contos, "Primeiro Amor, Último Sacramento" (1975) e "Entre Lençóis" (1978). Escritas antes de McEwan chegar aos 30 anos, ambas foram reunidas aqui em edição da Rocco de 1998.

O regresso aos temas bizarros e macabros é sinalizado desde "Enclausurado" (2016), paródia de "Hamlet" narrada por um feto que se autoeducou ao acompanhar podcasts de filosofia ouvidos pela mãe.

Se nesse romance anterior a escolha do narrador impele ao fantástico, a prosa clara de McEwan segue com sua elegância algo distante, agora em primeira pessoa (contrariamente aos primeiros relatos), o que potencializa ainda mais sua característica ironia. Tais recursos estão igualmente presentes em "Meu Livro Violeta".

Em tom íntimo, Parker Sparrow, o narrador, confessa ao leitor seu crime tão exato quanto impensável. Amigo de Jocelyn Tarbet desde a faculdade, viu a carreira literária do colega disparar rumo ao sucesso, enquanto a sua própria se afogava na mediocridade da vida de casado.

Com o prestígio em subtração e a fuga em direção ao subúrbio em busca de aluguel barato, o mais próximo que Sparrow consegue chegar do estrelato ocorre nas visitas a cada ano mais esparsas que faz à mansão vitoriana de Tarbet em Hampstead.

Em uma delas, surge a ocasião que aguardava o ladrão, e ele rouba algo do amigo ausente, o que o levará a desapropriar Tarbet de seu modo de vida e dos louros e louras da glória. A certa altura, Sparrow revela que sua atitude foi inspirada numa passagem de "A Informação", de Martin Amis, que por sua vez se inspirara "numa noite em que andou bebendo com outro romancista, aquele (a memória me falha) com um nome escocês e uma atitude de inglês". Na ocasião, os dois amigos se divertiram "imaginando todas as formas como um escritor poderia arruinar a vida de outro".

A inveja sexual, além da inveja literária do primeiro conto, está no centro de "Por Você", ópera em dois atos composta por Michael Berkeley com libreto de McEwan, incluído em "Meu Livro Violeta".

O protagonista, Charles Frieth, maestro e compositor de nariz em pé, lembra Clive Linley, de "Amsterdam" (1998), ambos músicos de sucesso com enorme arrogância narcisística. Manipulador de jovens músicas como a arrivista Joan, Frieth é corneado por sua mulher, a enfermiça Antonia, que o trai com o cirurgião, Simon Browne.

Essa ciranda sexual é observada por Robin, assistente de Charles, e por Maria, a empregada da casa, obcecada em seduzir o patrão.

A trama é divertida, e a toada shakesperiana faz pensar num "Othello" pós liberação sexual. Disposto em forma dramatúrgica, porém, o texto de McEwan perde em pulsão narrativa, fazendo lembrar aquela máxima acerca da importância do roteiro dita pelo escritor Marçal Aquino em entrevistas: "O roteiro é só a receita do bolo, ele não é o bolo".

Assim, em "Por Você" falta a cobertura de chocolate.

Joca Reiners Terron
Escritor, é autor de ‘Noite Dentro da Noite’ (Companhia das Letras)
 

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