Descrição de chapéu Livros

Psicanalista Betty Milan procura definir o universal e ainda obscuro amor

Autora lança nova edição de 'O Que É o Amor' e diz que excesso comunicativo atrapalha o sentimento

Marcella Franco
São Paulo

No longínquo 1983, três ladrões levaram embora a taça Jules Rimet da sede da CBF, no Rio, perdemos Garrincha e Clara Nunes, assistimos perplexos à maxidesvalorização do cruzeiro, e, nas rádios, enfrentávamos Rádio Táxi, Ritchie e Balão Mágico. O ano não foi dos mais fáceis.

No campo dos afetos, o panorama não era melhor: celular e internet não existiam; amores analógicos, comunicação homeopática.

Passaram-se, então, 35 anos, e chegamos a 2018. E é esse o intervalo que separa o lançamento de "O Que É o Amor" de sua nova publicação.

Na introdução à nova edição, a escritora e psicanalista Betty Milan contextualiza o que representou publicar o texto em uma sociedade que ainda respirava "o vento libertário de Maio de 68" e, agora, após praticamente uma vida.

Betty Milan, que lança nova edição de ‘O Que É o Amor’ - Eduardo Knapp - 6.nov.2012/Folhapress

"O amor, na sua essência, não mudou", adianta Milan, no livro, aos mais ansiosos pela atualização do sentimento. Em entrevista à Folha, ela reforça a sensação de que, substancialmente, querer bem permanece igual, embora tenhamos nos tornado "mais imediatistas do que nunca", o que, em termos práticos, dificultaria algumas exigências do amor, como aceitar esperar ou ficar descontente.

A metamorfose do sexo, por sua vez, para Milan, foi maior.

"O livro foi escrito antes da descoberta do vírus da Aids. Ainda estávamos na onda da revolução sexual e o sexo era supervalorizado, a ponto de as mulheres serem obrigadas a transar para mostrar que eram livres. Havia uma tirania do sexo, que era obrigatório, o que, obviamente, é contrário à liberdade", avalia, reforçando que a liberdade de dizer "não" cresceu também devido ao movimento das mulheres contra o assédio.

Alguns trechos enfatizam a situação ao definir o amor como "o grande bandido", algo depreciado em contraponto ao valorizado sexo, "a que a modernidade nos entrega para neutralizar a paixão". Para Milan, "o mito do amor eterno foi substituído pelo mito do orgasmo genital perfeito".

A obra aponta, também, que todo o amor tem algo de vaidoso e egocêntrico, já que o amante se vê no ser amado —chegando, inclusive, a não se verem absolutamente, como descrevia Carlos Drummond de Andrade: "Os amantes se amam cruelmente/ e com se amarem tanto não se veem".

Em uma era de narcisos confortavelmente instalados nas redes sociais, as coisas podem ficar um pouco mais complicadas para quem busca o amor verdadeiro. Na visão da psicanalista, o narcisismo não prevalece no amor de verdade porque implica o respeito pela liberdade do outro.

"O amor verdadeiro não está ao alcance de todos, sobretudo dos narcisos, porque eles não vivem no culto do amor, e sim no da vaidade. Somos vaidosos e desconfiados. Isso é contrário ao amor, que não aceita a desconfiança."

Por falar em desconfiar, a internet trouxe também a exposição —voluntária ou não— das relações que mantemos, o que, vez ou outra, vira motivo de insegurança entre casais. Será possível domar o ciúme para que não prejudique o relacionamento?

Milan acredita que a análise ainda é um recurso poderoso para lidar com o sentimento de posse. "É preciso difundir, também na imprensa, que o ciúme não justifica a violência, em hipótese alguma", frisa.

Assim como não sobrevive sem a confiança, o amor, avalia a escritora, também não viveria sem o mal causado pela ausência. Assim, é possível que as novas gerações se vejam em desvantagem com relação aos leitores da década de 1980, para os quais a comunicação instantânea e videochamadas eram coisa de ficção.

"O discurso amoroso precisa da falta. As pessoas que mandam mensagens o dia inteiro podem estar desperdiçando as palavras. O amor não suporta a banalização", sentencia a psicanalista, que, como a Sherazade de "As Mil e Uma Noites" entretém a audiência por 112 páginas com histórias maravilhosas, exclusivamente sobre o amor.

De Platão a Eros, de Mariana Alcoforado a Perséfone, vários nomes auxiliam na tentativa de definir os contornos desse sentimento universal que, de maneira controversa, é tão conhecido e ainda tão obscuro.

"Vale lembrar Sêneca. Segundo ele, homem feliz é o que nada deseja. Nada é exagero; mas, quanto mais evitarmos o consumismo, mais felizes nós seremos."

O Que É o Amor

Betty Milan, ed. Record, R$ 34,90 (112 págs.)

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.