Descrição de chapéu Moda

Quantos 'k' de 'dol' vale o novo mercado das 'feras hype'?

Jovens lucram com compra e revenda de peças de grife e ostentam valores das conquistas

Pedro Diniz, Isabella Faria, Mariana Goulart, Marina Garcia, Melina Cardoso e Victor Parolin
São Paulo

Quantos “k” de “dol” custa seu “outfit”? Preço de “retail” ou de “resale”? 

Se você deixou seu celular no modo avião nos últimos dias, ainda não sabe que é esse o dialeto usado no mercado de ações informal das “hype beasts” —as feras hype—, que viralizaram num canal de vídeos online mostrando quantos milhares, ou “k”, de dólares, ou “dol”, pagaram no look.

O advogado Fellipe Escudero, 27, está por trás dos vídeos “Quanto Custa o Outfit?”, versão brasileira de um canal americano do YouTube, nos quais ele aborda fashionistas do Rio e de São Paulo em feiras e eventos de moda. 

É nesses encontros que as bestas, animais ou feras, a depender do que seu google tradutor diz, ostentam os tênis comprados no varejo virtual, com preço cheio (“retail”,) ou trocados com base na tabela de revenda (“resale”).

Nesse mercado sem regulação, as feras passam horas a fio em filas quilométricas de lojas físicas ao redor do mundo e competem para estar nos segundos iniciais da venda online dos lançamentos, que logo esgotam. Depois de usá-las, vendem as conquistas por até o triplo do preço.

Se estiverem sem grana e quiserem “jantar num [restaurante] japonês”, Escudero e a namorada, Larissa Kora, 21, que aparece no vídeo do “outfit”, é só o casal vender um dos seus tênis “Yeezy” da Adidas para a grana entrar em pouco tempo na conta. Ela diz que vendeu um deles por R$ 5.000.

Na visita da reportagem à sua casa, Kora deixou claro que nem tudo ela vende, principalmente seus “sneakers” da grife francesa Balenciaga, que viraram sensação no mercado asiático há dois anos.
“O negócio dela é ter, o meu é conquistar, depois não quero mais”, diz Escudero, em meio aos quase 30 pares atuais que a namorada conserva.

Até o ano passado, era a mãe quem pagava pelos luxos de borracha da estudante, mas agora, com a nova profissão e o fato de estar “profissionalizando o hobby”, pagou por todos os sete pares comprados neste ano, cujos valores ela diz não passarem dos R$ 3.000. 

Mas já chegou a pagar R$ 6.000 pelo modelo Triple-S da Balenciaga, conhecido na moda como “sapato de papai” devido ao visual grosseiro. 

“Isso é tão louco que tem uma espécie de bolsa de valores dos tênis. Um dia custa US$ 1.000, no outro US$ 1.300”, explica Kora. Ela dá exemplos.

Um modelo resultante da colaboração entre a Converse e a grife americana Off-White, coqueluche entre as “feras hype”, teve 34 exemplares postos à venda no país. O valor oficial era R$ 699. Hoje, cada um não sai por menos de R$ 4.000. 

Um modelo Air Jordan, da Nike em parceria com a mesma marca, chegou por R$ 900, e agora vai a R$ 6.000.

Escudero afirma que sua intenção com o vídeo, além de aparecer um pouco —porque “está trabalhando a [própria] imagem”—, é chamar a atenção das marcas para realizar lançamentos no Brasil.

“Tô cansado de ver post de lançamento mundial e nunca ser no Brasil. O Brasil não é tão atrasado quanto a gente acha”, desabafa.

Ao longo da semana, os vídeos de seu canal, o Hyped Content Brasil, saíram do ar. Por telefone, Escudero disse que o canal sofreu uma invasão por hackers, que estariam cobrando para devolver o conteúdo.

No processo de abrir o olhar dos outros para sua causa, ele passou a assessorar Gian Tancredo, 12. O adolescente aparece dançando em um dos vídeos retirados, trajado com as marcas Supreme e Off-White.

Em seu apartamento, ele guarda tesouros de entendidos, como escova de dente Supreme, máscara da Bape, outra grife querida do meio, e tênis da Yeezy, criação do rapper americano Kanye West.

Com o apoio dos pais, ele começou no negócio aos 11 anos, quando comprou um tênis por R$ 700 e vendeu por R$ 900. 

Além da ajuda da família, é com o lucro dessas vendas que ele consegue comprar novas peças. Conhecedor de moda, também tem Gucci e Louis Vuitton nas araras.

“Meus amigos não costumam se vestir assim, e, graças a mim, estão aprendendo sobre essa cultura. Na cena [dos ‘hype beasts’] não há ninguém tão novo quanto eu.”

Por meio do Instagram, Tancredo mostra suas conquistas e já entrega para todo o Brasil. 
Estagnação do luxo explica ascensão das grifes de ‘streetwear’

O jovem Gian Tancredo, 12, sabe que não está sozinho em sua fixação por marcas de streetwear. Assim como ele, “millennials”, nascidos a partir dos 1980, e a “geração Z”, pós-2005, estão na crista da onda no mercado de luxo.

Se antes marcas de ponta como a italiana Gucci e a francesa Louis Vuitton rechaçavam a cultura urbana e seus moletons, tênis e logos, agora correm para alavancar vendas que, segundo a Euromonitor, crescerão só 2% neste ano. 

O Brasil, lanterna desse tipo de consumo, acumula perdas de 23% nos últimos dois anos.

Foi essa nova realidade que impulsionou, por exemplo, a recente contratação de Virgil Abloh, fundador da Off-White, como estilista da linha masculina da Louis Vuitton. 

Isso depois de a Gucci iniciar parcerias com grafiteiros que, antes, pirateavam seu logo.

As coleções pichadas feitas com Andrew Trouble, conhecido como Gucci Ghost, esgotam assim que chegam às lojas e estão no corpo da elite, dos  rappers e de seus seguidores.

O stylist Emerson Timba, que, com sua equipe, faz o visual urbano dos clipes do canal Kondzilla, hospedado no YouTube, não cobra menos de R$ 1.000 por uma diária de consulta pessoal. “O que atrai as pessoas no ‘street’ é a combinação que te torna diferente dos outros”, diz.

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