Rejeitada, modelo trans cria agência e app de encontros nos EUA

Primeira agência de transgêneros de Nova York, a Trans Models foi aberta em 2015

Pêche Di, que fundou a agência Trans Models em Nova York, após sucessivas rejeições  - Lia Haley Clay - 7.fev.17/The New York Times
Danielle Brant
Nova York

Foram 15 nãos de agências de modelos até que Pêche Di (pronuncia-se Péche Dí), 28, conseguisse participar de uma campanha para uma loja de departamentos famosa e com um fotógrafo de grifes como Calvin Klein, Ralph Lauren e Versace.

As portas, então, se abriram para a modelo tailandesa, certo? Na verdade, mesmo com a indicação pessoal do fotógrafo estrelado, Bruce Weber, colheu mais recusas.

Ela enxergou nessa barreira um nicho de mercado. Nicho porque uma das razões por trás de tantos nãos é o fato de Pêche Di ter nascido homem —na certidão de nascimento, Pitchadapha Phasi.

A falta de espaço para modelos como ela fez com que criasse, em 2015, a Trans Models, primeira agência de transgêneros de Nova York.

Hoje, ela gerencia também o aplicativo TeaDate, que facilita encontro entre pessoas transgênero e que já conta com 33 mil usuários.

Foi a fama de liberal e aberta que atraiu a tailandesa para a cidade americana oito anos atrás, ainda durante o processo de transição do gênero masculino para o feminino.

Na Tailândia, famoso destino de quem busca cirurgia de mudança de sexo e que tem uma das maiores populações transgênero do mundo —entre o terceiro e quarto lugar—, as coisas não foram nada fáceis para Pêche, como conta em entrevista à Folha.

"Fui criada em Bangcoc, numa família muito amorosa. Era o mais velho de três meninos. Mas, desde os 5 anos, sentia que não pertencia àquele gênero", diz.

"Eu tentei viver feito um garoto, jogar futebol, mas eu não conseguia. Eu vestia as saias da minha mãe, entrava no closet dela. Aí percebi que queria ser uma garota."

No colégio, só para garotos, eram comuns agressões de outros estudantes. "Desenvolvi ataques de pânico, não queria ir para a escola. Usava o banheiro durante a aula, para não ter que encontrar outros meninos no intervalo."

Para se proteger, começou a fazer aula de taekwondo. Com 14 anos, entrou na escola militar. Um ano depois, em um jantar com a família, resolveu contar que era queria mudar de gênero.

"Uma tia virou, com raiva, e perguntou: 'você quer mesmo usar saia?'. Eu respondi: 'Sim, quero'", conta.

Hoje, a modelo consegue analisar com mais distanciamento a atitude da tia.

"Ela achava que, no futuro, seria difícil para mim achar emprego. Mas, a partir daquele dia, o jantar com a família nunca mais foi o mesmo", brinca. Foi nessa época também que começou a tomar hormônios e iniciou a transição de gênero.

Aos 17, mudou-se para o dormitório da faculdade de teatro que decidiu cursar. A fim de juntar dinheiro, começou a trabalhar num clube noturno, onde se fantasiava e dublava músicas. O objetivo era sair do país.

Na Tailândia, não se pode mudar o gênero de nascimento. O casamento entre pessoas do mesmo sexo também é proibido. "As pessoas lá são muito liberais, o governo, não. Parece com os Estados Unidos."

Em 2010, Pêche chegou a Nova York, e se deparou com as sucessivas rejeições já mencionadas —acrescente-se que ela tinha também ganhando o concurso de beleza Miss Asia NYC. Ela conta, ainda, que sofreu agressões sexuais e enfrentou dificuldades financeiras e emocionais.

"Percebi que deveria começar algo que ajudaria as pessoas trans e criar um espaço seguro para meus amigos e minha comunidade. A ideia é tentar promover igualdade de amor. As pessoas trans ainda não têm direitos em muitas partes do mundo."

Hoje, são 19 modelos que já participaram de campanhas para marcas como Nike, Adidas, Budweiser, e para eventos como a Parada do Orgulho Gay de Nova York, que acontece no próximo dia 24.

Ainda há muito trabalho pela frente, diz a modelo. Algumas empresas, por exemplo, cometem gafes ao abordar a Trans Models.

"Elas erram nosso gênero, e isso machuca. Mas entendo que é uma nova área. Algumas vezes eu mesma erro o gênero da minha própria modelo. Estou tentando mudar isso, e, se Deus quiser, as companhias que erram isso vão conseguir crescer e aprender também", afirma.

Além de abraçar a comunidade transgênero, a agência também busca quebrar padrões na indústria da moda.

"Temos preocupação com representatividade. Sou contra a ideia de ter uma modelo que não é saudável."

Às vezes, admite, desanima. "Mas tenho que continuar indo em frente, porque ainda não vi minha família nos oito anos em que moro aqui", diz.

"Meu amigos falam 'você deveria fazer o máximo para tentar criar um mundo melhor, para quando você voltar sua família ter orgulho de você'. Eu segui esse conselho e tenho feito isso."

Enquanto aguarda a liberação do greencard, que deve sair em seis meses, Pêche Di vai tocando o negócio.

"Estou feliz. Eu tinha um sonho, quando era uma menina pequena, de que eu queria trabalhar com moda, e estou trabalhando. Eu conquistei meu sonho."

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