Resistência à linguagem fácil marca CineOP, dedicado à preservação do cinema

Mostra de Ouro Preto resgata produção menos conhecida de período mais pesado da ditadura

Cena do filme 'Caveira My Friend' (1970), que integra mostra em Ouro Preto, Minas Gerais - Divulgação
INÁCIO ARAUJO

O tema "Vanguarda Tropical: Cinema e Outras Artes", anunciado pela 13ª Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP), é sintomático: por um lado, comemoram-se os 50 anos de 1968, por outro trata-se de resgatar a produção menos conhecida que marcou o período mais pesado da ditadura militar no Brasil.

A produção cinematográfica é representativa: a exibição de "Sem Essa, Aranha" (1970), de Rogério Sganzerla, e a homenagem na noite de abertura, na quarta, à atriz Maria Gladys, uma das mais ativas no ciclo dos filmes "marginais" no Brasil, são bem sintomáticas dessa força.

De 14 a 18 deste mês, o CineOP tem se dedicado a esquadrinhar as intensas trocas entre o cinema e outras artes naquela época. Artistas como Jorge Mautner, Helio Oiticica, Sérgio Ricardo estiveram bem próximos, como atores ou mesmo realizadores.

Além de revirar arquivos pessoais em busca de filmes nunca exibidos comercialmente, o CineOP deste ano pretende ainda aproximar efetivamente de outras artes, não só pela evocação de Oswald de Andrade (cuja ideia de antropofagia norteou a maior parte da produção entre os anos 1960 e 1970).

Se o reconhecimento de que os "marginais" constituíram na verdade uma vanguarda na resistência ao regime de arbítrio é uma primeira constatação importante, afirmar a proximidade entre o cinema e outras artes a acentua.

Um show de Tom Zé durante o evento não terá somente o objetivo de torná-lo mais popular. Mais provavelmente selará essa pertinência comum entre as artes (teatro, música, artes plásticas, cinema).

Além das mesas que, tradicionalmente, cuidam da preservação e restauro de filmes, ou de sua história, a programação já deu início às sessões que comprovam essa integração entre artes: lá estão sendo exibidos "O Demiurgo", de Jorge Mautner, "Homenagem a Steinberg", de Nelson Leirner, "Light Works", de Iole de Freitas, "X", de Anna Maria Maiolino.

O pessoal mais ligado ao cinema está presente também: "Caveira, My Friend", de Álvaro Guimarães (1970), é um dos longas da série histórica; entre os curtas, "O Ataque das Araras", de Jairo Ferreira, "Alma no Olho", de Zózimo Bulbul, "O Som ou Tratado da Harmonia", de Arthur Omar", "Tratado da Vermelha", de Torquato Neto, e "Triunfo Hermético", de Rubens Gerchman, entre outros.

Na produção contemporânea, a mostra selecionou "Landscape", de Luiz Rosemberg Fº, "O Desmonte do Monte", de Sinai Sganzerla (filha de Rogério e Helena Ignez), o "Sem Título 4", de Carlos Adriano.

Se pela própria proposta o CineOP se dedica essencialmente a algo tão relevante como pouco popular (a preservação de filmes, seu restauro e história), neste 2018 a proposta se radicaliza e se coloca em ruptura com a produção comercial, propondo em troca a observação dessa produção em que a ideia de resistência, tanto em 1968 (contra a ditadura e a censura) quanto em 2018 (contra a linguagem fácil), é que se impõe.

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