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Série documental injeta vida a narrativa de atentados em Paris

Em três episódios, 13 de Novembro retraça noite funesta com humanidade

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documentário
Cena de ‘13 de Novembro - Terror em Paris’ mostra um dos locais alvejados por terroristas naquela data - Divulgação

13 de Novembro – Terror em Paris

  • Onde Netflix
  • Classificação 16 anos
  • Produção França, 2018
  • Direção Jules Naudet e Gédéon Naudet

Há um belo achado na construção sóbria de "13 de Novembro - Terror em Paris", documentário em três partes da Netflix sobre a noite funesta de 2015 em que uma sequência de atentados terroristas deixou um saldo de 130 mortos e mais de 400 feridos.

Pois o fato é que, gostando-se ou não da alcunha, tudo ali tem os contornos de um "filme-catástrofe", como os protagonizados por furacões, terremotos ou, quando o orçamento permite, asteroides em rota de colisão com a Terra: a chegada muitas vezes insuspeitada do horror, a arbitrariedade da morte, a busca por abrigo/esconderijo de quem escapou da primeira razia, o resgate e o fim do pesadelo.

Ocorre que, aqui, os diretores franco-americanos Jules e Gédéon Naudet mandam às favas a principal diretriz da cartilha do gênero (ou, vá lá, de sua encarnação hollywoodiana recente): a primazia da imagem sobre a palavra.

"Terror em Paris" é palavra que só; aos arabescos de computação gráfica e música orquestrada de seus companheiros de categoria, responde com volteios da língua, com a arte da oratória cujos sortilégios os franceses conhecem (e cultuam) como poucos.

Sem pirotecnias formais, o documentário se atém quase que exclusivamente a depoimentos, em geral sobre fundo neutro, de sobreviventes dos ataques na capital francesa e no subúrbio de Saint-Denis, de autoridades instadas a acionar protocolos de emergência no ato (como François Hollande, presidente à época, e Anne Hidalgo, ainda prefeita de Paris) e das equipes de policiais, bombeiros e paramédicos que foram a campo tentar remediar danos.

Seus testemunhos, muitas vezes repletos de detalhes, mas nunca voyeurísticos, costuram uma grande narrativa mais digna do que o espetáculo de morte reproduzido à exaustão pelos canais de notícias 24 horas franceses nas horas e dias que sucederam ao fatídico 13 de novembroeste repórter vivia na cidade naquele momento.

Ao desfile funesto na televisão de "fichas S" (que indicam monitoramento por serviços de inteligência) dos autores dos ataques e de seus possíveis comparsas, à caçada dos algozes pelo território francês e até na Bélgica, o tríptico dos irmãos Naudet responde com um renitente sopro de vida.

O primeiro (e mais curto episódio) debruça-se sobre os lances que inauguraram aquela sexta-feira macabra.

Para começar, a (relativamente) malsucedida investida de três homens-bomba contra o estádio da periferia em que se realizava um amistoso entre as seleções de futebol de França e Alemanha. Eles acabaram por acionar seus explosivos no entorno da arena, matando uma pessoa.

Logo se adentra a Paris "intramuros" para lembrar o massacre nos bares e restaurantes dos boêmios 10º e 11º distritos, que deixaria um rastro de 39 mortos.

A partir desse ponto, os cineastas operam uma proeza: quanto mais gira o contador de vítimas, mais pulsão vital emana do filme —porque mais humanidade ele dá a ver.

Como quando alguém diz não esquecer a imagem, testemunhada em um bar então já revolvido em cenário de guerra, de um sobrevivente que dá a mão a um completo desconhecido que agoniza, só para que ele não morra sozinho.

Ou quando um jovem narra o pensamento que lhe ocorreu ao deparar com rajadas de fuzis e pilhas de corpos: "Espero que o meu apartamento não esteja bagunçado, porque meus pais vão ter que se ocupar disso e não queria dar a eles muito trabalho".

Os outros episódios tratam da chacina na casa de shows Bataclan (90 mortos), que levou ao paroxismo a empreitada dos terroristas.

A coleção de relatos inclui o de um casal que celebrava naquele show da banda americana Eagles of Death Metal a primeira noitada sem filhos em anos e, talvez de maneira complementar, a de um homem que afirma ser inadmissível deixar órfão o garoto de sete meses que a mulher e ele levaram quatro anos para conseguir gerar.

Quando a cronologia dos depoimentos atinge o ponto em que a polícia tenta negociar com os terroristas que agora mantêm refém um pequeno grupo que não conseguiu fugir por janelas ou portas de incêndio (estima-se que havia 1.500 pessoas na casa naquele dia) e decide invadir o local, a humanidade se adensa mais.

Há espaço até para o patético de uma comunicação entre agressores e forças de segurança via walkie-talkie (quando avulta, na porta do cativeiro, uma pilha de smartphones —um deles com uma baleinha sorridente na capa— que os reféns foram obrigados a largar) ou para uma alfinetada tipicamente parisiense no sotaque sulista quase intransponível de um dos negociadores.

Nem a aproximação galopante da morte arranca aquilo que nos define.

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