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'A falta de familiaridade gera medo', diz rapper surdo

Primeiro deficiente auditivo a ter contrato com gravadora grande, finlandês Signmark faz shows em SP

Victoria Azevedo
São Paulo

O finlandês Marko Vuoriheimo, 40, é o primeiro músico surdo do mundo a assinar contrato com uma gravadora internacional.

O artista, conhecido por Signmark, se apresenta com grupo que canta e toca suas letras, enquanto faz tradução simultânea em língua de sinais. Pela terceira vez no país, ele faz dois shows no Sesc Belenzinho, nesta sexta (13) e no sábado (14).

Leia abaixo seu depoimento à Folha.

 

Música para mim é o que é para muitas pessoas: um jeito de relaxar, me preparar para praticar esportes, pano de fundo para cozinhar, dirigir ou curtir uma festa. 

Cresci em uma família com pais surdos, mas avôs dos dois lados que escutavam. Minha mãe e meu pai me deram uma boa criação, apesar de também terem enfrentado dificuldades —a história finlandesa é brutal com os surdos.

Na época dos meus pais, a língua de sinais foi banida das escolas e virou motivo de vergonha. Eles não tinham como conversar com os pais em casa, já que meus avós não a entendiam. Fico feliz de eles não terem perpetuado essa injustiça na minha criação.

Quando era jovem, eu traduzia cantos de Natal para a linguagem de sinais, porque assim a minha família toda podia cantar junto. Apesar disso, na minha infância, não havia nenhuma educação musical para surdos.

Apaixonei-me pelo rap por dois motivos: pela batida, porque é como eu sinto a música, e pela possibilidade de falar sobre temas importantes por meio das canções. 

Na escola, assistia à MTV e traduzia os sucessos do momento. Minhas principais referências eram artistas como 2Pac, Metallica, AC/DC, Michael Jackson e New Kids on the Block.

Já na faculdade, no verão de 2004, houve um episódio marcante. Fui a um bar, onde comecei a traduzir a faixa “Coco Jamboo”, do Mr. President —mas uns rapazes ficaram irritados porque eu estava “mexendo os meus braços por aí”. O segurança me expulsou. Foi a gota d’água e, naquele dia, decidi virar artista profissional.

Recebi críticas e elogios desde que comecei. Alguns tendem a achar que eu, como surdo, estou tentando roubar o espaço de quem pode ouvir. Já outros acham incrível o que faço.

Mesmo dentro da comunidade surda, também houve essas duas visões: uns pensavam que eu ia fazer papel de bobo, enquanto outros acharam incrível a possibilidade de mostrar do que somos capazes.
No começo da carreira, me aproximei de dez gravadoras diferentes, mas nenhuma se interessou pelo meu trabalho. 

Decidi fazer tudo sozinho. Em 2006, lancei o primeiro DVD de rap do mundo realizado por uma pessoa surda, em língua de sinais. Distribuí, vendi em vários lugares, fiz shows e dei entrevistas. 

Foi então que participei do Eurovision no nível nacional, em 2009, e fiquei em segundo lugar. Foi aí que tudo começou a decolar e, em 2010, assinei o contrato com a Warner Music. Tornei-me o primeiro surdo a ter um contrato com uma gravadora internacional. 

No palco, minha banda toca e canta as minhas letras, enquanto faço a tradução simultânea.

Tenho dois métodos para compor: ou escrevo rimas e letras em cima de uma batida já feita por um produtor, ou elaboro tudo e depois vou atrás de uma que funcione com o que escrevi.

Minha inspiração vem de histórias que acontecem a mim ou outras pessoas, da minha situação na vida, de temas contemporâneos e questões de direitos humanos.

Eu me deparo com o preconceito toda hora. Todas as pessoas os têm, mas já estou acostumado. Ficam me perguntando como um surdo pode dirigir, trabalhar no noticiário, fazer música e por aí vai. 

O maior obstáculo que enfrentamos é a falta de conhecimento, porque, quando as pessoas não sabem como agir diante de uma situação, é mais fácil para elas se afastarem do que enfrentá-la. A falta de familiaridade gera medo. 

 

Signmark
Shows nesta sexta (13) e no sábado (14), às 21h30, no Sesc Belenzinho. R. Pe. Adelino, 1.000, tel. (11) 2076-9700. R$ 6 a R$ 20

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