Amy Adams mergulha em seu primeiro grande papel na TV

Atriz protagoniza série 'Objetos Cortantes', que estreia neste domingo (8), às 22h, na HBO

Atriz indicada cinco vezes ao Oscar, Amy Adams protagoniza ‘Objetos Cortantes’, baseada em livro de Gillian Flynn -  Jimmy Marble/The New York Times
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Los Angeles | The New York Times

Amy Adams, 43, atriz cinco vezes indicada ao Oscar, usava um legging escuro, um boné preto com o nome de uma loja de presentes e uma camiseta preta que dizia, em letras grandes e engraçadinhas, "melhor na vida real". "Sempre que as pessoas me veem pela primeira vez, a reação delas parece ser do tipo: 'Mas é só isso mesmo?'"

Ela detém-se por um instante, e depois responde em tom seco e brincalhão: "É. É isso".

Adams estrela "Objetos Cortantes", série que estreia neste domingo (8), às 22h, na HBO, em sua primeira grande personagem na TV desde que passou a ganhar papéis de destaque no cinema, há uma década.

Os oito episódios, baseada em um romance de Gillian Flynn (autora de "Garota Exemplar"), também representam outro marco: o desempenho de Adams como uma jornalista que bebe demais e se corta —e retorna a sua pacata cidade natal para cobrir uma série de homicídios— está entre os mais desolados e inquietantes da carreira.

A mudança audaciosa de enquadramento que o livro propõe para o arquétipo da mulher detetive a conquistou.

"Gosto de partir de um gênero conhecido e criar algo de especial", ela disse. "Isso é algo que sempre me interessa. Tentar desafiar expectativas".

A primeira Amy Adams que surgiu nas telas era uma Lolita de olhos famintos. Fez papéis secundários em filmes de pouco sucesso, na explosão de títulos dirigidos a adolescentes que surgiu depois de "Pânico".

A exemplo, uma social climber depravada em "Segundas Intenções 2" (2000), continuação que terminou relegada diretamente às videolocadoras. Essa fase é definida por ela como a de "garota sacaninha".

Outra fase começou em 2006, quando foi indicada ao Oscar por sua interpretação de uma jovem grávida que vive em uma cidadezinha, em "Retratos de Família". Adams define essa fase como a das "inocentes", e foi ela que gravou sua imagem na memória do público e fez dela uma das atrizes mais famosas e admiradas dos Estados Unidos.

Uma segunda indicação ao Oscar veio em 2009, por "Dúvida", em que sua inocência palpável como uma freira serve de lastro a uma história sobre a fina linha que separa a natureza humana do abismo.

Poderia ter se acomodado e repetido esse tipo de papel inocente, mas optou por um papel combativo e bruto em "O Vencedor" (2010), foi zelosa e gélida em "O Mestre" (2012), e astuta e carnal em "Trapaça".

"Objetos Cortantes" consuma uma nova fase. Como a linguista abalada pelo luto em "A Chegada" (2016), a jornalista da história, Camille Preaker, está à deriva e sofre com traumas familiares mal resolvidos, o que sinaliza um período da carreira que a atriz define como "instável e introspectiva".

"Não tenho essa escuridão, essa raiva interna profunda, mas aquele tipo de tristeza que faz com que uma pessoa não seja gentil consigo mesma? Sim, acho que isso tenho."

Para se tornar Camille em "Objetos Cortantes", começou, como de costume, mapeando a biografia existencial e emocional da personagem, até acreditar que aquela pessoa poderia plausivelmente caminhar pelo mundo.

A transformação física era trabalhosa; ficava de pé, quase nua, de três a quatro horas ao dia, ao longo de 90 dias da filmagem, para pôr as próteses que conformavam as cicatrizes da personagem.

O canadense Jean-Marc Vallée ("Big Little Lies"), que dirigiu os oito episódios, disse ter percebido "que a voz dela se tornava uns tons mais grave, seu modo de caminhar mudava. Subitamente, ela passava a andar de um modo mais desleixado, como se estivesse dizendo 'que se foda'".

Para montar uma interpretação crível, muitos atores ejetam as personalidades, na esperança de que o personagem venha a ocupar o vazio criado, como um espírito territorial.

Algumas pessoas apontam que a maioria dos "atores do método" —como são conhecidos os que adotam essa abordagem— são homens e que há um incentivo social para se orgulharem de mergulhar completamente no trabalho.

"Creio que os homens muitas vezes são um tantinho exibidos quanto aos sacrifícios que fazem, 'nossa, todos os demônios que eles tiveram de enfrentar'", disse a escritora Gillian Flynn. "Talvez as mulheres só se queixem menos."

Adams compara seu processo de trabalho a "pegar um vírus", que ela sente dentro de seu corpo, mas que é capaz de suprimir quando necessário.

Depois de sobreviver à fase das "inocentes", será que parte de Amy Adams está tentando seguir a direção oposta, buscando becos escuros para ver o que pode encontrar neles?

Ela faz uma pausa para pensar, brincando compulsivamente com pingentes de um bracelete em seu pulso.

Não é que ela lamente seus papéis anteriores, mas está faminta por um novo tipo de desafio. "Não tenho um senso de orgulho ou realização se não estou me forçando e, por isso, qualquer coisa que me force me interessa", ela disse.

"Pode dar certo, pode não dar, mas experimentarei qualquer coisa", concluiu.

Tradução de Paulo Migliacci

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