Duo de folk pop Anavitória tem trajetória de conto de fadas narrada em filme

'Ana e Vitória' conta como jovens alçaram o primeiro escalão da nova MPB a partir de vídeo publicado no YouTube

Rafael Gregorio
São Paulo

Reza a lenda que, no mundo pós-redes sociais, um artista precisa só de um celular, de acesso à internet e de uma boa canção para saltar do anonimato à fama em semanas, quando não em dias.

É realidade para poucos, mas foi assim com Ana e Vitória, do Anavitória. O duo de garotas de 23 anos virou um dos nomes mais promissores do país com uma sonoridade que chama de “pop rural”, influenciada por músicos como Tiago Iorc e Mallu Magalhães.

É um folk de vozes fofas e letras meio coração partido, meio alto-astral que, ao vivo, entoam descalças e em longos vestidos de ares hippies.

A história começa em 2014, quando Ana, de Goiânia, e Vitória, do interior do Tocantins, foram apresentadas por uma amiga e passaram a compor nas férias da faculdade.

Ambições eram parcas. Vitória cursava direito, “não sei por quê”, diz, e Ana estudava medicina “para ser pediatra”.

Há três anos, elas se filmaram cantando em um cenário meio rural, meio bucólico e publicaram no YouTube. Em dias, o link somou 200 mil das 1,5 milhão de visualizações que conquistou até hoje.

A música era “Um Dia Após o Outro”, de Tiago Iorc, outro fenômeno do folk pop. Foi ao empresário dele, Felipe Simas, que Ana enviou aquele vídeo.

Empolgado, Simas agendou um show das garotas só para jornalistas em um hotel no Rio de Janeiro. Também sugeriu Anavitória, evitando o “&” de duplas sertanejas com as quais eram confundidas.

“A gente mandou só pra ver se o Tiago via, porque éramos fãs. Acabou que o Felipe enxergou na gente algo que nem a gente via”, diz Vitória.

E o que foi que Simas vislumbrou? “Duas talentosas cancioneiras em uma intersecção entre a música popular e a dita mais rebuscada.”

Em uma das idiossincrasias do duo, aquele foi o primeiro show da vida de Ana e Vitória, que nem chegaram a cogitar as (muitas) agruras e (raras) delícias do mercado independente do século 21.

A viagem delas ao Rio se estendeu para a gravação do primeiro EP e primeira turnê, virando a história de “Ana e Vitória”, dirigido por Matheus Souza, que estreia em 2 de agosto.

No filme, misto de musical e comédia romântica, as jovens interpretam a si mesmas, e o fazem com habilidade, a despeito da pouca experiência.

“A gente fez um laboratório com o Matheus contando as coisas que vivemos. Ele bolou o roteiro, e demos pitacos sobre o jeito de falar”, diz Ana.

Desde a ascensão descrita no longa, o sucesso só cresceu. Gravaram um disco (2016, homônimo), um EP com músicas infantis (2017) e outro EP, com temas de Carnaval (2018).

Várias das canções integraram o Top 50 do Spotify, por exemplo. O videoclipe do maior sucesso, da canção “Agora Eu Quero Ir”, soma 63,3 milhões de acessos no YouTube.

“Trevo (Tu)”, com participação de Tiago Iorc, acumula 42,2 milhões de visualizações e rendeu aos três o Grammy latino, em 2017, de melhor canção em língua portuguesa.

Outra versão da canção, com o português Diogo Piçarra, tem 18 milhões de acessos.

No Spotify, elas somam 2,1 milhões de ouvintes por mês. Para fins de comparação, as inspirações Mallu Magalhães e Tiago Iorc têm 604 mil e 1,4 milhão ao mês, respectivamente. Já Anitta, a brasileira mais ouvida no mundo, é ouvida por 13,1 milhões ao mês.

Elas já fizeram turnê com Nando Reis e gravaram com o rapper Projota (“Linda”, com 53,9 milhões de acessos no YouTube) e com a dupla sertaneja Matheus e Kauan (“Fica”, de 94 milhões de views). 

E nem só de rede vive o burburinho; em uma era de crise do fonograma, o duo ganhou disco de platina por vender CDs. Também tiveram temas em trilhas de novelas, cantaram na casa do BBB 18 e foram uma das atrações do Brasil no recente Rock in Rio Lisboa.

Elas têm a carreira gerenciada por um escritório e seus discos são distribuídos em parceria com a Universal, cujo presidente, Paulo Lima, já as definiu como uma aposta.

Ana e Vitória hoje vivem em São Paulo; não mais juntas, mas ainda vizinhas. Não causam tumultos ao ir à padaria, mas dizem já ser paradas frequentemente para selfies.

Agora, ao mostrarem sua trajetória na telona, as artistas exibem outra face de sua arte: concepções singulares sobre amor e relacionamentos.

Ambas já ficaram com garotos e garotas e alimentam fantasias ao não negarem boatos de que já foram um casal. Dizem-se feministas e lidam com o sexo com naturalidade. 

“É coisa da nossa geração: a gente vive uma grande transição de ideias”, comenta Ana.

Vitória reforça a visão da amiga e conecta a verve libertária ao acesso à informação. “Ouvi falar em feminismo aos 17 anos, com minha irmã mais nova, que tinha 11; a internet deixou tudo mais natural.”

Como as artistas, Simas, o empresário, diz não temer que a intimidade do duo limite seu potencial de mercado em um país marcado por ressalvas morais e religiosas.

Falando em ambições, ambas dizem ter a mesma: cantar com Rita Lee. “Será que se você escrever, ela não topa?”

Já funcionou uma vez.

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