Descrição de chapéu Flip

Filme explora tentativas de Hilda Hilst de falar com os mortos

Base do documentário são gravações da escritora feitas nos anos 1970

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São Paulo

Ao filmar “Hilda Hilst Pede Contato”, a diretora Gabriela Greeb diz que fez pacto com o Além. “Se aparecesse um fantasma, eu pararia.”

Não que tenha adiantado. Ao rodar na Casa do Sol, chácara em Campinas onde a escritora paulista morava, a cineasta viu coisas estranhas. “Rui, o lustre está se mexendo. Será que a gente filma?”, indagou ao diretor de fotografia, Rui Poças. A resposta dele: “Ninguém vai acreditar”.

O longa, que tem pré-estreia nesta quinta (26), na Flip, se serve desse tipo de matéria —ou antimatéria. A obra se debruça sobre os quatro anos em que Hilda Hilst, morta em 2004, paquerou o ocultismo. 

Na década de 1970, a homenageada desta edição da festa literária de Paraty gravou em fitas tentativas de falar com os mortos. Buscava uma forma de domar a própria angústia da finitude. “Só uma palavra basta”, implorava para a outra dimensão. “É que as pessoas aqui têm muito medo da morte, e preciso tranquilizá-las.”

Ao encontrar uma caixa cheia desses cassetes, no quarto de Hilda, Greeb diz que conseguiu ver o filme inteirinho. 

Para acompanhar as gravações, ela despeja imagens que evocam assombrações—portões envoltos em névoa, cavalos sem cavaleiro—, e encena o que teria sido a vida da autora no sítio, em meio às vozes. 

O trabalho de som executado pelo português Vasco Pimentel (“Tabu”) incrementa o tom extraterreno. O também lusitano Poças cria imagens etéreas. “Eu disse ao Rui que precisava de um fotógrafo capaz de filmar o invisível”, conta a paulistana de 52 anos que já dirigiu uma trilogia de curtas de realismo fantástico.

Ela nem considera esse seu filme um documentário. “Porque não quero falar quem é a Hilda”, explica. “Mas disponibilizar o espaço fílmico para ela se mostrar presente.”

Nele, a realizadora conclama os antigos amigos a rememorarem a escritora, entre sorvidas no vinho e garfadas no espaguete (o único prato que, dizem, ela sabia cozinhar). Lembram da obscena senhora que, depois de ouvir com enfado a rasgação de seda de um entusiasta, propunha: “E aí, vamos foder?”.

Para Greeb, tal qual a fase pornográfica, a vereda mística foi mais um “potlatch” na vida de Hilda. O termo remete à cerimônia dos nativos americanos de dilapidar os próprios bens. “[Com a a gravação das vozes], ela pôs tudo a perder, dispôs a sua idoneidade.”

Numa das últimas gravações, já quase desistindo de conseguir contato, a escritora se queixa às almas. “Eu estou aqui como uma debiloide, e as vozes de vocês, inaudíveis.”

A diretora vê Hilda como um “quadro de Hopper”, o artista americano que costumava pintar gente solitária. “Ela era uma luz no escuro. Não posso nem falar isso que meus olhos já enchem de lágrimas.”

O resultado do longa percorre a mesma senda da escritora, mas na mão inversa. “Agora é ela, morta, quem aparece para os vivos”, diz a diretora.

Terminada a montagem do filme, a autora apareceu para Greeb em um sonho, do outro lado da linha de um telefone vermelho. “Eu dizia: ‘Hilda, a gente tem que desligar.’ Ela respondia: ‘Só se você nadar amanhã na minha piscina.”
 

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