Filme 'Mulheres Alteradas' aborda dilemas femininos sem hastear bandeiras

Longa inspirado nas HQs da argentina Maitena estreia nesta quinta (5)

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São Paulo

Elas têm de suportar o fiu-fiu nas ruas, fogem do ex na balada, levam os filhos para a escola, julgam o cara pelo que ele mantém na geladeira, discutem com o marido o tamanho do biquíni...

“Mulheres Alteradas”, que estreia nesta quinta (5), não é bem um filme feminista, mas vindo na esteira de #MeToo, de Time’s Up e da escassez de protagonistas femininas no cinema, acaba hasteando uma bandeira involuntária.

“Nenhuma das mulheres se estapeia por homem no filme. Me poupe, né? Não suporto mais ver isso”, diz Alessandra Negrini, que faz uma das tais protagonistas alteradas.

Da esq. para a dir., Keka (Deborah Secco), Marinati (Alessandra Negrini), Leandra (Maria Casadevall) e Sônia (Monica Iozzi) em 'Mulheres Alteradas'
Da esq. para a dir., Keka (Deborah Secco), Marinati (Alessandra Negrini), Leandra (Maria Casadevall) e Sônia (Monica Iozzi) em 'Mulheres Alteradas' - Divulgaçao

​E alterada, avisa o filme logo no início, não é louca, é “uma mulher que está mudando”. A frase vem da cartunista argentina Maitena Burundarena, autora das tirinhas que se tornaram fenômeno editorial a partirda década de 1990 e que inspiram essa comédia.

Além de Negrini, coube também às atrizes Deborah Secco, Maria Casadevall e Monica Iozzi viver arquétipos dessas mulheres em transformação.

A primeira é a workaholic para quem o segredo do sucesso é nunca se apaixonar. Secco interpreta Keka, que tenta recuperar um casamento moribundo. Casadevall faz a trintona que cogita sossegar da vida de baladeira. E Iozzi vive uma mãe que vê sua vida social minguar ao som da choradeira dos filhos pequenos.

“Elas estão vivendo picos de estresse”, diz Iozzi. “Por serem mulheres, são chamadas de loucas. Mas se fossem homens, diriam que precisariam de massagenzinha no pé.”

A atriz conta que já era fã das tirinhas de Maitena desde a época em que trabalhava em livraria. “E lia quando não tinha cliente na loja”, diz Iozzi.

A mensagem das HQs, contudo, teve de ser ajustada para um mundo pós-Time’s Up. Piadas com celulite não colam. “Maitena esteve à frente do tempo por falar sobre mulheres em meio a cartunistas homens, mas as questões hoje são outras”, diz Casadevall.

Imbuídos ou não de mensagens feministas, filmes que têm mulheres como protagonistas já se tornaram um filão.

No ano passado, “Mulher-Maravilha” quebrou recordes e se tornou o oitavo filme de super-herói mais visto da história. Neste ano, “Oito Mulheres e um Segredo” estreou faturando mais do que os demais títulos de sua franquia, com elenco masculino.

Mesmo no Brasil, os números são bons para elas. “De Pernas pro Ar”, “De Pernas pro Ar 2”, “Loucas pra Casar” e “Tô Ryca” são todos exemplos de sucesso de bilheteria com protagonistas mulheres. Juntos, somam mais de 13 milhões de ingressos vendidos.

Para Casadevall, é importante se “apropriar do momento”. “Às vezes o mercado se apropria do feminismo porque pega bem e lança coisas que são repetições de clichês”, diz a paulistana. “Mas já que dão esse espaço, acho bom que as mulheres o ocupem com consciência.”

Mesmo em “Mulheres Alteradas”, diz, o principal não é discutir feminismo, “mas propor uma comédia com outra linguagem, com assinatura”.

Em sua estreia em longas, Luis Pinheiro propõe uma narrativa que destoa da forma como o gênero é filmado e inclui efeitos especiais, atuações cartunescas, planos-sequência e diálogos contemporâneos (cheios de termos como “boys” e “miga, sua louca”). O roteiro é de Caco Galhardo, cartunista da Folha, com quem o diretor trabalhou na série “Lili, a Ex”, do GNT.

Não deixa de ser, portanto, um filme feminino, mas dirigido e escrito por homens.

“Não interessa o gênero do autor para escrever sobre esses assuntos. O Luis Pinheiro adora as questões femininas”, ressalva Negrini, que diz já ter recusado convites para “muitas comédias machistas”.

Hoje, a intérprete paulistana vê mudanças, ainda que diga faltar mais autoras. Ela, que prepara a adaptação teatral do romance “Uísque e Vergonha”, de Juliana Frank, crê que assédios no trabalho tendem a se tornar mais raros. “Não é mais tão fácil para um diretor te assediar”, diz.

Iozzi enfrentou perrengues como repórter de política no humorístico CQC. “Comigo os políticos vinham com outra chave [do que com os repórteres homens]”, lembra.

Leitora ávida da historiografia do feminismo, Iozzi emenda comentários sobre mulheres internadas como histéricas porque gozavam no sexo e dispara petardos contra homens que chamam ex-namoradas de loucas e contra os que interrompem a fala delas.

“É um processo devagar, mas pelo menos não queimam mais a gente na fogueira, né?”

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