Filme sobre Arthur Miller revê figura social e política do autor

Diretora Rebecca Miller, filha do dramaturgo, teve acesso à intimidade do pai

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Imagem de Arthur Miller e Marilyn Monroe no filme "Arthur Miller: Writer"
Imagem de Arthur Miller e Marilyn Monroe no filme "Arthur Miller: Writer" - reprodução
São Paulo

O documentário “Arthur Miller: Writer”, que a HBO exibe desde o fim de junho (disponível também na plataforma digital do canal), investe em um ponto de vista privilegiado e particular: quem filmou o retrato do autor de “Morte de um Caixeiro Viajante” foi sua própria filha, a cineasta Rebecca Miller (“O Plano de Maggie”). 

Estamos, portanto, dentro do ambiente familiar de um escritor que dedicou boa dose de sua atenção aos relacionamentos de pais e filhos, de maridos e esposas e também a um olhar cético em relação ao sonho americano.

Mas há um porém. Se o espectador tem a possibilidade de ver este, que é um escritor fundamental da dramaturgia moderna nos EUA (1915-2005), tão de perto, sobra ao final um detalhe inconcluso e de difícil digestão para o entrevistado: Arthur Miller teve um filho com síndrome de Down, do qual se afastou.

O documentário toca no assunto e depois escapa. Segundo Rebecca Miller diz em narração em off, o pai topou falar sobre Daniel, que cresceu sob a guarda de uma instituição especializada na deficiência.

Mas o tempo passou, e a cineasta foi protelando a entrevista sobre o irmão. O pai, que não havia mencionado Daniel em sua autobiografia (“Timebends”, de 1987), morreu sem retomar o assunto.

As tomadas dentro de casa, as entrevistas em momentos de absoluto relaxamento, os passeios por um bosque, a permissão de entrar a toda hora em uma pequena oficina enquanto o escritor trabalhava construindo móveis ou consertando coisas, e também o farto material fotográfico e em vídeo, tudo isso vai nos colocando diante de um homem capaz de olhar para dentro de si sem muito medo.

Das entrevistas, saltam alguns nós dolorosos da vida pessoal do autor. São episódios que tiveram reflexo em sua obra dramatúrgica. Quando fala sobre Marilyn Monroe (1926-1962), Miller expressa a dor de ter rompido seu relacionamento com a atriz pouco antes de ela cometer suicídio.

No filme, a diretora extrai do pai como a separação e a morte de Monroe se desdobram em “Depois da Queda” (1964), cujo protagonista, Quentin, elucubra sobre nossas responsabilidades com o outro. 

Torna-se explícito —Arthur carregou a culpa de não ter amparado Monroe em um momento de depressão evidente. Já no início da relação, ele dizia à atriz que ela era uma das mulheres mais tristes que ele havia conhecido.

O filme também não se furta de retratar o momento crepuscular da carreira de um homem que foi um dos artistas mais importantes de seu país.

Arthur Miller assume que não acompanhou as revoluções culturais nos anos 1960. 
“Os anos 1960 foram uma reviravolta total, não só para mim, para muitos, e eu não consegui expressar satisfatoriamente minha noção de tempo. O teatro perdeu prestígio.”

Em 1968, ele estreia a peça “O Preço” e tem êxito de público e de crítica. “Mesmo que fizesse sucesso, sentia que o jogo não valia mais a pena. Não sentia que havia alguém interessado nela.” Em um apanhado que o filme faz de trechos de críticas da época, aparece o termo “pseudopsicólogo” para defini-lo.

 

O que Arthur Miller diz no filme sobre sua obra

‘A Morte de um Caixeiro Viajante’ (1949) e a crise de 1929
‘Eu sentia uma pena terrível dele [do pai, que perdeu tudo na crise de 1929]. Muito de sua autoridade vinha do fato de ele ser um comerciante bem-sucedido. De sempre saber o que estava fazendo. E, de repente, nada. Ele não sabia mais onde estava. Com isso, acho que eu entendi que nós estamos profundamente imersos na vida econômica e política do país e do mundo, e como essas forças atuam dentro do nosso quarto.’

‘As Bruxas de Salem’ (1953) e o macarthismo
‘Senti que em breve seria tarde demais para fazer qualquer coisa’, diz o autor sobre a perseguição de artistas do cinema nos EUA suspeitos de serem comunistas. ‘Logo não poderíamos atuar ou dizer alguma coisa. Eu estava desesperado. Então, enquanto o teatro estivesse liberado, deveria dizer algo [...] A culpa da vítima era muito interessante para mim. Podem não se sentir culpados pelo que estão o acusando. Mas isso não importa. Você é acusado, então se sente culpado por outra coisa.’

‘Depois da Queda’ (1964) e a relação com Marilyn Monroe
‘Foi, em boa parte, extraído de um livro que nunca é mencionado, um livro de [Albert] Camus em que um homem observa uma mulher jovem que se joga em um rio caudaloso. Ele não vai salvá-la. Minha pergunta [proposta na peça] era: e se ele a tivesse salvo?’

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