Fotógrafo publica livro após passar dez anos registrando murais tibetanos

A edição de luxo tem tiragem de apenas 998 exemplares e custa de US$ 12 mil a US$ 30 mil

Isabella Menon
São Paulo

Ao entrar em templos budistas no Tibete, há grande chances de os murais dali, que representam a vida de Buda e os segredos da meditação, passarem despercebidos. Muitos deles estão escondidos atrás de pilares ou no topo de janelas, sem visibilidade para os visitantes.


Esses murais, que retratam mil anos da história da região, foram documentados pelo fotógrafo americano Thomas Laird, 65, que deixou sua terra natal em 1972, aos 18 anos, para viver no Oriente. 


Laird conta que, quando era jovem, não se interessava por aquilo que os Estados Unidos poderiam proporcionar a ele: “Ou eu entraria na universidade ou acabaria trabalhando em uma fábrica”, afirma, em entrevista à Folha. 


Ele encontraria seu propósito de vida a mais de 12 mil km de casa. Primeiro, Laird partiu rumo à Índia. Logo depois, foi ao Nepal, onde viveu por 14 anos. Ali, conheceu refugiados tibetanos e teve o primeiro contato com aquela cultura. A partir de então, passou a aprender sobre práticas de meditação. 


Esse foi seu primeiro contato com o Tibete, região que só viria a conhecer em 1986 e que provocaria nele o interesse pelos murais dos templos. 

Naquela época, Laird fotografava para as revistas Time e Newsweek e para o periódico francês Le Figaro. 
Também fez fotos para o The New York Times, a National Geographic e a Geo.


Desde 2008, ele se dedica ao registro de murais tibetanos, revelados no livro “Murals of Tibet”, publicado em março deste ano em edição de luxo pela Taschen. 

Segundo o autor, é a primeira vez que esses murais podem ser vistos fora dos templos tibetanos. 


A edição de luxo teve baixíssima tiragem, apenas 998 exemplares, e as edições custam de US$ 12 mil a US$ 30 mil (de R$46 mil a R$ 116 mil). “Infelizmente, as coisas só ganham importância de acordo com o que elas valem”, afirma o autor.


Ele compara o alto valor com a escultura Pietà, de Michelangelo. “Ninguém perguntou a ele se haveria uma opção da obra menor e mais acessível, porque a original não tem a ver com o preço, mas sim com uma incrível experiência.” 


Quem adquirir a obra receberá dois livros. O maior, com dimensões de 50 cm X 70 cm, vem assinado e abençoado por Dalai Lama, líder religioso do budismo tibetano. “Quando ele perguntou por que deveria assinar tantos volumes, respondi que era para valorizar o livro. Se houver um incêndio, os donos com certeza vão se lembrar de salvá-lo.”


O segundo e menor volume (35 cm X 25 cm) é composto por imagens e textos, como a introdução do próprio fotógrafo e explicações sobre a cultura tibetana, a história do país e dos murais escrita pelos estudiosos da religião Robert A. F. Thurman, Heather Stoddard e Jakob Winkler.


Além disso, um banquinho de apoio para as obras, assinado pelo arquiteto e vencedor do prêmio Pritzker Shigeru Ban, também está incluído no pacote. 


Na opção mais cara, com apenas 40 volumes disponíveis, o colecionador recebe ainda uma fotografia de um dos 300 murais em tamanho real. 


Os murais, conta o autor, foram durante anos uma forma de a população do Tibete deixar sua marca no mundo e aprender. Até os anos 1950, apenas a elite tinha acesso à educação, enquanto os pobres — maioria da população— não sabiam nem ler nem escrever. 


O analfabetismo era de 95%, no fim dos anos 1990, a região já tinha 1.100 instituições de ensino em todos os níveis —incluindo quatro superiores— e o analfabetismo caiu para 34%.


É comum ver monges usando os murais para ilustrarem suas aulas, diz Laird. O próprio Dalai Lama os utilizou em sua educação, um primeiro passo para se tornar um homem letrado.


Ao saber desse impacto na vida do líder, o americano decidiu que dedicaria uma década ao projeto. Não foi fácil. Por causa da localização e da dificuldade em retratar grandes e detalhadas imagens, ele precisou desenvolver técnicas especiais —uma delas envolve a multicaptura de retratos para depois uni-los em uma única imagem.


Para o artista, além de deixar uma herança para o futuro, essa foi uma forma de tornar visível obras que podem ser levadas a museus —costume do início do século 20. 


Um exemplo foi o caso do alemão Albert von Le Coq, que em 1910 se apaixonou por um mural no templo Bezeklik, na China, e o levou para um museu em Berlim.


A obra foi destruída após um bombardeio durante a Segunda Guerra Mundial. “Se ele não o tivesse levado, isso não teria acontecido”, afirma Laird. “Eles [museus] só dão importância se algo tem valor comercial”, diz.


Para Marcelo Guerreiro, praticante do templo budista Odsal Ling, em São Paulo, a forma de Laird divulgar a arte tibetana não contraria os ensinamentos budistas. “Apesar de tudo ser impermanente, a filosofia diz que temos que viver da melhor forma possível.”

 

Saiba mais sobre o Tibete

População 3 milhões 
Capital Lhasa
Situação Política Região autônoma da República Popular da China
Forma de governo Teocrática,mas Dalai Lama é subordinado à China 

—O território tibetano fica no sudoeste da China, rodeado pelas províncias chinesas de Tsinghai (ao nordeste), Sichuan (ao leste), Yunnan (ao sul) e pelos países de Mianmar, Índia, Butão e Nepal (ao sul)
—O movimento nacionalista tibetano contesta a autoridade da China (que ocupou o território militarmente a partir de 1950) e se divide entre os que querem independência e os que aceitam um governo com mais autonomia, mas sob controle de Pequim
—A região construiu um universo cultural próprio, que inclui a língua tibetana e o budismo como religião, tendo como líder espiritual o Dalai Lama

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